O economista Paulo Valle, presidente da BrasilPrev, empresa de previdência privada do Banco do Brasil, é um especialista em dívidas. O mineiro Valle trabalhou durante 23 anos no Ministério de Fazenda, onde implantou, entre outros projetos, o Tesouro Direto. Durante nove anos, como subsecretário de Dívida Pública do Tesouro Nacional, ele geriu as dívidas interna e externa da União. Hoje, ele preside a maior empresa de previdência privada do Brasil, com cerca de dois milhões de clientes e R$ 200 bilhões em ativos sob administração. Valle está preocupado com a dificuldade de aprovação da reforma da Previdência Social, que está na pauta da Câmara dos Deputados para ser votada no próximo dia 19. Por enquanto, o governo não tem os 308 votos necessários para garantir uma vitória. Segundo ele, se o Congresso não enfrentar o problema, as consequências sobre a economia podem ser drásticas. Mesmo assim, se declara um otimista. Para ele, o debate acerca da sustentabilidade da Previdência contribuiu para conscientizar as pessoas sobre a importância da previdência privada. “O próximo passo é trabalhar a questão da renda.” Ele conversou com a DINHEIRO:

DINHEIRO – O senhor esteve no setor público e hoje preside a maior empresa de previdência privada do País. Quais os maiores desafios?

PAULO VALLE – Nosso maior problema é superar os efeitos da crise econômica dos últimos dois anos. A incerteza política com a qual saímos da eleição afetou tudo, inclusive o comportamento do cliente em termos de gastos. O consumo encolheu, e o dinheiro reservado para a previdência privada não foi exceção. Mas nem tudo são problemas. Os últimos dois anos de turbulência política e econômica beneficiaram o negócio. A discussão sobre a reforma da Previdência Social aumentou o interesse sobre a previdência privada.

DINHEIRO – A reforma da Previdência é a principal questão econômica em discussão. O senhor acredita que ela seja votada ainda neste ano?

VALLE – Isso depende da dinâmica política, que é difícil de entender. Assim, não é possível dar um palpite. Mas o debate eleitoral é um bom momento para aprofundar essa discussão. Devemos aproveitar esse período de incertezas para discutir melhor essa mudança. Uma coisa é certa: a reforma é imprescindível para melhorar o equilíbrio das contas do País. Caso uma reforma não seja aprovada este ano, é fundamental que isso aconteça no começo de 2019.

DINHEIRO – Por que?

VALLE – Estamos enfrentando um período de instabilidade desde 2013. Passamos por uma tempestade perfeita na economia. Agora, é o momento de sair da tempostade perfeita. Por isso, a eleição presidencial pode reverter as expectativas. Se elegermos um presidente comprometido com as reformas, vai aumentar a probabilidade de retomada do crescimento econômico e da volta dos investimentos. A taxa de juros mais baixa e o crescimento da economia devem favorecer o equilíbrio fiscal. A Previdência responde por quase 40% das despesas do governo. Ela tem um impacto forte nas contas públicas, e tem de ser, no mínimo, ajustada às mudanças na demografia. O sistema de repartição, em que a geração mais nova paga a conta dos mais velhos, está sendo rediscutido há tempos em países como Alemanha e Japão. Vivemos mais. As famílias têm menos filhos. As mudanças demográficas vêm ocorrendo depressa, e temos de nos preparar para enfrentar as incertezas que virão. Temos de adequar a Previdência a essas novas condições.

DINHEIRO – O texto reduzido da reforma, que deve ser votado na Câmara dos Deputados, resolveria a questão fiscal?

VALLE – Não. O debate ainda está em aberto, mas, se aprovarmos esse texto enxuto, as mudanças propostas na Previdência não serão suficientes. Vamos ter de realizar uma reforma mais robusta em breve.

DINHEIRO – De que maneira a eleição pode contribuir para isso? Um candidato de esquerda é uma ameaça?

VALLE – O resultado da eleição vai deixar claro o caminho a ser seguido pelo País. Independente do partido vencedor, o importante é que o presidente eleito esteja comprometido com o equilíbrio fiscal. O primeiro mandato do Lula foi muito bom. Então, podemos até eleger um candidato de esquerda, desde que ele se comprometa com a contenção de gastos e com a manutenção dos fundamentos da economia.

DINHEIRO – Quais?

VALLE – Inflação sob controle, contas externas equilibradas e juros baixos. Isso é importante para garantir o investimento de longo prazo no mercado de capitais. Só voltaremos a falar de grau de investimento quando o investidor incorporar essa segurança no longo prazo.

“Se elegermos um presidente comprometido com as reformas, vai aumentar a probabilidade de retomada do crescimento econômico”Zona eleitoral: próximo presidente precisa ter
compromisso com o equilíbrio fiscal (Crédito:Elza Fiuza Agencia Brasil)

DINHEIRO – No dia 11 de janeiro, a agência de classificação de risco Standard and Poor’s rebaixou o rating do Brasil. Um das justificativas foi o atraso na votação da reforma da Previdência. Qual o impacto disso? Se a reforma for aprovada, isso fazer o País recuperar o grau de investimento?

VALLE – O efeito do rebaixamento no mercado não deve ser tão expressivo, porque o Brasil já tinha perdido o grau de investimento. A questão fiscal é nosso calcanhar de Aquiles. Houve uma deterioração nos últimos anos devido ao aumento dos gastos do governo, e isso causou a piora do rating. Para voltar ao grau de investimento, é preciso que o País volte a ter uma política fiscal sustentável como ocorria até 2013, antes das pedaladas do governo Dilma Rousseff.

DINHEIRO – O que o senhor define como uma política fiscal sustentável?

VALLE – Quando eu trabalhei no Ministério da Fazenda, nossa convicção era de que o País tinha de ter um superavit primário, sem contar o gasto com juros, de 2% do Produto Interno Bruto (PIB). Isso permitiria uma trajetória descendente na relação entre a dívida pública e o PIB. De 2013 para cá, isso mudou. O superávit primário virou déficit. É uma situação muito preocupante. Temos de tomar medidas para evitar a piora desse cenário. A questão fiscal tem dois pontos: o primeiro é a despesa. O orçamento é muito rígido. A Previdência responde pela maior fatia individual dos gastos, e só faz crescer. E por outro lado, há o encolhimento das receitas, decorrente da crise e da redução do nível de atividade. A eleição é uma excelente oportunidade para revertermos esse quadro.

DINHEIRO – O senhor acredita que essa incerteza em relação à sustentabilidade da Previdência deve contribuir para mais clientes para a previdência privada?

VALLE – Temos observado isso nos últimos anos, e fizemos uma pesquisa de campo que confirmou essa percepção. Hoje, a maioria das pessoas sabe que é preciso poupar para complementar a aposentadoria. A partir dessa certeza, temos outras questões a serem trabalhadas, como a renda individual e a organização financeira.

DINHEIRO – Houve uma retomada do mercado de capitais em 2017, com a captação de R$ 42,9 bilhões com a emissão de ações. Como a indústria de previdência privada pode contribuir para a formação de um mercado de capitais de longo prazo?

VALLE – As incertezas políticas e econômicas vêm pressionando o mercado de capitais desde 2013. Agora, observamos uma retomada nos últimos dois anos. O próximo passo é a consolidação do funding de longo prazo, que pode ser impulsionado pela indústria da previdência complementar, assim como ocorre nos países desenvolvidos. No entanto, os juros de longo prazo ainda estão muito mais altos do que os de curto prazo. Isso demonstra que as expectativas para o futuro ainda não são boas. O resultado da eleição pode ajudar nessa trajetória. É importante ressaltar, no entanto, que o mercado está se alongando. O Tesouro já emite títulos da dívida com vencimento de 10 anos duas vezes por mês, e há forte demanda de estrangeiros por eles.

“As mudanças demográficas vêm ocorrendo depressa, e temos de nos preparar para enfrentar as incertezas que virão”Aposentada: sistema em que a geração mais nova paga a conta
dos mais velhos está sendo redescutido (Crédito:Shapecharge)

DINHEIRO – Mais de 90% dos recursos investidos em fundos de previdência privada vão para a renda fixa. Isso pode mudar nos próximos anos com os juros mais baixos?

VALLE – O fato de a renda fixa ser tão grande no Brasil é uma distorção clara. O Brasil sempre foi um dos países com os juros mais altos do mundo, o que deixava o investidor muito confortável para comprar títulos de curto prazo com rentabilidade elevada. Esse comportamento ensaiou uma mudança em 2012, quando a Selic caiu. Muitos investidores que viviam de CDI passaram a buscar rentabilidades mais atrativas. Hoje, um juro de 7% move as pessoas em direção à diversificação. A tendência é observarmos a diminuição da exposição à renda fixa.

DINHEIRO – Os investidores devem migrar para qual aplicação?

VALLE – Esperamos um crescimento da demanda por fundos multimercados que, há 24 meses, apresentam um desempenho melhor, em média, que os fundos de renda fixa. O fluxo para multimercados é maior pelos novos contratantes. Somente no ano passado, até outubro, o aumento foi de 365%. Neste ano, essa velocidade pode ser afetada como reflexo das incertezas políticas, mas essa não é uma grande preocupação.

DINHEIRO – Em setembro de 2017, as autoridades do setor permitiram que os gestores de previdência privada apliquem mais dinheiro em ações e invistam em ativos internacionais. Qual a importância dessas decisões? Há mais mudanças no radar?

VALLE – Em um momento de juros baixos, a palavra diversificar é regra. Quanto mais alternativas, mais ferramentas o gestor tem para entregar um resultado melhor para o cliente. Quanto ao futuro, esperamos, sim, mudanças. Temos um sócio estrangeiro, o Principal Financial Group, que é uma das principais instituições financeiras dos Estados Unidos, e aproveitamos o conhecimento deles para estudar as práticas da indústria no mundo, de modo a entender quais melhorias cabem na nossa regulação. Hoje, estamos pleiteando junto à Federação Nacional de Previdência Privada e Vida (FenaPrevi) e à Superintendência de Seguros Privados (Susep) a adesão automática dos novos funcionários contratados pelas empresas aos planos de previdência complementar.

DINHEIRO – O senhor está com 54 anos. Quando pretende se aposentar?

VALLE – Aposentar acho que nunca. Pretendo ter uma rendinha a mais aos 65 anos. Já me programei para isso. Uma coisa importante que o brasileiro deve se preocupar é ajustar o plano à sua realidade de vida. O Instituto Nacional do Seguro Social (INSS) garante cerca de R$ 5 mil por mês, ou seja, as despesas básicas. Por isso é importante estar atento ao planejamento da Previdência Complementar para garantir um futuro confortável.