Principal dispositivo para controlar os gastos do governo federal, a Regra de Ouro tem sido um importante gatilho para manter as contas públicas sob controle. Se o Executivo gastar além do que estiver aprovado pelo Congresso Nacional, os gestores incorrem em crime de responsabilidade fiscal. Eficiente em tempos normais, a Regra de Ouro não prevê brechas para momentos de estado de calamidade ou guerra. Por isso, toda emergência que se impõe ao orçamento da União precisa ser negociada com o Legislativo. Só assim é possível “descongelar” alguma verba para gastos além do teto previsto. Agora, em face da brusca queda na arrecadação da receita causada pelo isolamento social e aumento dos gastos de saúde pública e assistência social em função da Covid-19, o Senado decidiu discutir esse tema. Pretende fazê-lo com parcimônia. Apesar da expectativa do presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP), de que a votação para liberar emissões de títulos da dívida pública como forma de o governo aumentar os recursos financeiros ocorresse na semana passada, ela foi postergada. O motivo se deu dentro da própria Casa, quando o senador Marcos Rogério (DEM-RO), relator da matéria, alegou ter faltado tempo para apreciação. “Esse é um projeto muito importante, mas também muito polêmico”, afirmou.

O texto em questão envolve um crédito suplementar de R$ 343,6 bilhões ao Poder Executivo. Não é algo fácil de conseguir. Primeiro, há a questão fiscal e o nível de endividamento do governo federal, hoje avaliado em 73% do Produto Interno Bruto (PIB) e com possibilidade de chegar a 80% até o final do ano. Um segundo ponto, mais político que econômico, envolve a relação de Bolsonaro com o Congresso. “Há muita má vontade do governo federal em tratar questões sensíveis aos senadores. Isso enquanto parte da população, inflada pelo próprio presidente, pede o fechamento do Parlamento”, afirmou um senador de oposição à DINHEIRO, sob condição de anonimato. Segundo ele, há resistência até mesmo da base governista sobre o tema.

CAUTELA: Relator da matéria, senador Marcos Rogério disse que o envio do texto ficou muito próximo da votação, inviabilizando um parecer justo. (Crédito: Thiago Gomes)

A decisão do relator de postergar a proposta teria sido também uma mensagem direta ao Palácio do Planalto. Se havia qualquer expectativa de uma aprovação a toque de caixa, sem dúvida o governo se frustrou. Ainda assim, o presidente da Casa tratou de reforçar que não há nenhum tipo de implicância com o projeto do governo, e que os parlamentares sabem da importância do tema. “Há o sentimento de votar isso. Até porque é importante para o Orçamento público. O Estado brasileiro está sem condições, a partir da primeira quinzena de junho, de arcar com suas despesas correntes. Então temos que votar”, disse Alcolumbre.

AUTORIZAÇÃO DO STF Nos bastidores a conversa parece um pouco mais séria. Ainda que o PLN 8/2020 permita que o Executivo contorne este ano a lei que proíbe endividamento para pagar despesas, o fato das sessões serem virtuais parece deixar parte dos senadores inseguros. Nas conversas virtuais, a sensação é de que seja preciso cuidado redobrado para que nenhum item passe despercebido e cause desequilíbrio fiscal no futuro. Apesar desse temor, a nota informativa da Consultoria Legislativa do Senado, aponta que a proposta traz “adicional relativo à Regra de Ouro” que, além de remanejar dotações orçamentárias, autoriza a realização de operações de crédito “por emissão de títulos de responsabilidade do Tesouro Nacional, no mesmo valor, para viabilizar a efetiva execução dessas programações”. Isso tudo, porém, não iria ferir o teto de gastos ou as metas fiscais.

RECURSO URGENTE Os R$ 343,6 bilhões a serem liberados terão como destino estados e municípios em áreas como a saúde pública. (Crédito:Divulgação)

Enquanto o Senado se prepara para votar a Regra de Ouro, outra decisão partiu do Poder Judiciário. Na quarta-feira 13 o Supremo Tribunal Federal (STF) validou uma decisão liminar que autorizava o governo federal, os estados e municípios a descumprir regras previstas na Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF) para gastos com ações de combate ao coronavírus.Os ministros entenderam que a aprovação da chamada PEC do orçamento de guerra, que cria um orçamento específico para o combate ao coronavírus e prevê a flexibilização das leis orçamentárias, prejudicou a análise do tema pela Corte. Diante disso, os ministros decidiram extinguir a ação.Ainda assim, a maioria dos ministros votou a favor de referendar uma decisão liminar concedida em março pelo ministro Alexandre de Moraes.

Na ação, o governo federal pediu a flexibilização de quatro artigos da LRF e da lei orçamentária, sob alegação de que as medidas de estímulo à economia e ao emprego provocariam gastos públicos além dos já previstos nas leis orçamentárias. Ao analisar o caso, o ministro Alexandre de Moraes afirmou que, após a aprovação da PEC, não haveria mais interesse na ação, mas a liminar concedida deixou claro que a autorização também foi válida para estados e municípios. “A única diferença é que a emenda não deixa claro se vale para estados e municípios”, disse. Determinada tal medida, recai sob as mãos do senadores a responsabilidade de mudar a regra de ouro, se assim for preciso, e garantir que isso não gere um problema fiscal futuro.