Nada como três anos de crise econômica para rearranjar as ideias. Nos Estados Unidos, onde riqueza sempre foi símbolo de sucesso pessoal, e “socialista” é a pior das ofensas, manifestações de rua contra os bancos ganharam proporções inéditas. O movimento “Ocupem Wall Street” nasceu na meca das finanças e ganhou corpo nas últimas semanas. Apoiados por sindicatos, os protestos atingiram Boston, Chicago e Los Angeles. A crise e o crescimento da desigualdade social trouxeram a Nova York cenas de cidades como Paris ou Madri, onde manifestações contra os males do capitalismo fazem parte da paisagem. Os manifestantes se dizem inspirados nos “indignados” espanhóis e, ironia, na Primavera Árabe. Há boas razões para a rebeldia: 46 milhões de pessoas, um a cada seis americanos, é pobre. O índice de pobreza chegou a 15,1% da população, o maior dos últimos 18 anos. O apoio aos manifestantes, ainda que velado, vem das fontes mais inesperadas. É o caso, por exemplo, do sisudo presidente do Federal Reserve, o banco central americano, Ben Bernanke. “Não posso culpá-los”, disse Bernanke em um depoimento no Senado. “Desemprego de 9% e crescimento baixo não são uma boa situação.”  

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Ele admitiu que as pessoas têm “alguma razão” em culpar os bancos pelos problemas. Os manifestantes ganharam até a solidariedade do presidente Barack Obama, que aproveitou para alfinetar os banqueiros, dizendo que eles agiram de maneira irresponsável durante a crise, e agora buscam travar os avanços na regulamentação do setor. Três anos após a quebra do Lehman Brothers, que desencadeou a maior crise desde 1929, as mudanças o são pouco percebidas pelos americanos. É fato que, os bancos têm de ter mais capital para operar. No entanto, o lobby do setor travou as propostas mais radicais de reforma, como a de separar os bancos de investimento dos comerciais. Para os clientes, o que aparece é que as tarifas subiram e está mais difícil conseguir crédito. Para complicar, os bônus dos banqueiros voltaram à casa dos bilhões. No ano passado, eles receberam um recorde de US$ 135 bilhões em remuneração variável, segundo o The Wall Street Journal. Nada poderia ser mais impopular num país onde o desemprego não dá trégua e o crescimento previsto para este ano é de pífio 1,5%. 

 

Nesse explosivo caldo de cultura, alguns dos princípios mais sagrados do imaginário americano – como a valorização do sucesso individual e a desconfiança quanto à atuação do Estado na economia – vêm sendo postos em xeque. Os acampados em Wall Street simbolizam a percepção crescente de que uma economia desenhada para gerar lucro e concentrar renda não é capaz de corrigir, sozinha, as crises que gera. Lentamente, o modelo que prevalece desde a presidência de Ronald Reagan, de desregulamentação da economia, corte de impostos e desidratação do Estado está perdendo apoio da sociedade. Algumas propostas enviadas por Obama ao Congresso seriam impensáveis há poucos anos, como o estímulo fiscal de US$ 477 bilhões à economia e uma alíquota adicional de imposto de renda de 5% para contribuintes que ganhem acima de US$ 1 milhão anuais. Na verdade, mais que uma reviravolta ideológica, o que está por trás dessa mudança é o bom e velho pragmatismo dos Estados Unidos. O que os americanos querem são soluções eficazes contra a estagnação econômica – e quanto antes, melhor.