Em se tratando de um ano eleitoral, não é difícil imaginar que a pauta do governo federal esteja focada em temas populares como segurança e economia. No entanto, a atitude protecionista do presidente dos Estados Unidos, Donald Trump, que colocou em risco a indústria siderúrgica brasileira, levou o presidente Michel Temer a agarrar a oportunidade de incorporar uma desafiadora agenda internacional na sua lista de prioridades. Num intervalo de apenas cinco dias, Temer ameaçou recorrer à Organização Mundial do Comércio (OMC) contra o aumento da tarifa do aço e do alumínio, e prometeu finalmente fechar um acordo de livre comércio entre Mercosul e União Europeia. Haverá tempo suficiente no seu mandato?

Na semana passada, Temer compareceu à posse do presidente do Chile, Sebastián Piñera, em Santiago, onde se reuniu como presidente argentino Mauricio Macri (leia reportagem aqui). Ao término do encontro, revelou que um desfecho nas negociações com o bloco de países do Velho Continente está muito próximo. “Temos alguns pequenos pontos para ainda resolver, mas os chanceleres da União Europeia e do Mercosul vão se reunir muito proximamente”, disse Temer. “Eu acho que, depois de 19 anos, foi isso que eu e o Macri concordamos, nós talvez fechemos em definitivo o acordo Mercosul e União Europeia.”

Trump, o fanfarrão protecionista: ao lado de representantes da indústria siderúrgica americana, o presidente dos EUA anuncia sobretaxa no aço e no alumínio (Crédito:REUTERS/Kevin Lamarque)

Três dias depois, ao participar de evento que marcou a abertura da safra da cana 2018/2019, em Ribeirão Preto (SP), Temer anunciou que o acordo Mercosul-União Europeia deve ser concluído em “um mês, um mês e meio, não mais do que isso”. Para os especialistas, no entanto, o prazo pode ser um pouco maior, dado que ainda há obstáculos a serem superados. Nos próximos dias, ministros dos países do Mercosul – Brasil, Argentina, Paraguai e Uruguai (a Venezuela, por ora, está suspensa do bloco) – estarão reunidos em Assunção, capital paraguaia, para fechar uma posição em pontos ainda pendentes. Um deles é sobre o mecanismo de drawback, que elimina os tributos sobre insumos importados que são utilizados na fabricação de bens a serem exportados. Os europeus querem excluir esses bens do acordo, mas o Brasil não abre mão do mecanismo, que beneficia 23% das exportações.

Há também entraves setoriais, como o automotivo e o agronegócio. Historicamente, os agricultores europeus pressionam os governos a impor barreiras aos produtos agrícolas do Mercosul. Por outro lado, o bloco sul-americano reluta em abrir seus mercados para as mercadorias industrializadas fabricadas no Velho Continente, que tem na chanceler alemã Angela Merkel a sua maior liderança. “Em termos políticos, nunca estivemos tão próximos de um acordo”, diz Welber Barral, consultor e ex-secretário de comércio exterior do Ministério do Desenvolvimento. “Ironicamente, a ação protecionista de Trump incentiva o acordo Mercosul-União Europeia.”

Welber Barral, ex-secretário do Ministério do Desenvolvimento: “Ironicamente, a ação protecionista de Trump incentiva o acordo Mercosul-União Europeia” (Crédito:Divulgação)

Vencidas as barreiras, já será possível anunciar um pré-acordo. A assinatura definitiva poderá ser feita ainda no governo Temer ou somente em 2019, quando um novo presidente terá tomado posse. Até lá, bravatas políticas e até fatos graves, como a violência no Rio de Janeiro, poderão surgir para tumultuar as negociações, que já duram quase duas décadas. Na quinta-feira 15, diante da repercussão mundial do assassinato da vereadora Marielle Franco (PSOL-RJ), na capital fluminense, 52 deputados europeus de esquerda solicitaram à Comissão Europeia a suspensão das negociações entre os blocos. O grupo, que representa apenas 7% dos 750 membros do Parlamento Europeu, exige que o Brasil faça “uma investigação independente, rápida e exaustiva, que permita chegar à verdade e à Justiça”.

PROTECIONISMO Além de estimular as negociações entre Mercosul e União Europeia, a decisão controversa do presidente Trump de sobretaxar o aço em 25% e o alumínio em 10% continuou gerando repercussões. “Nós aqui somos contra todo e qualquer protecionismo”, afirmou Temer, na quarta-feira 14, na abertura do Fórum Econômico Mundial para América Latina, realizado na cidade de São Paulo. “Somos pela abertura plena.” O governo federal decidiu tentar a via diplomática das negociações para que alguns produtos sejam excluídos da sobretaxa, principalmente o aço semiacabado, que beneficia a própria indústria americana. “A primeira aposta do governo brasileiro é o diálogo”, afirmou Aloysio Nunes Ferreira, ministro das Relações Exteriores, que também esteve no Fórum Econômico Mundial. “O Brasil é um país amigo dos Estados Unidos.”

Desde a corrida eleitoral à Casa Branca, em 2016, o então candidato republicano jamais demonstrou preocupação com a América do Sul, ignorando a região em suas propostas de campanha. No mês que vem, Trump fará sua primeira viagem à região. Além de participar da Cúpula das Américas, no Peru, irá à Colômbia. O Brasil, embora seja a maior economia do continente, não faz parte do roteiro. Mesmo assim, com o objetivo de sensibilizá-lo, o presidente Temer pretende telefonar para o republicano, salientando os impactos nefastos de sua atitude protecionista. O Brasil, segundo maior exportador de aço para os Estados Unidos, é o grande prejudicado. O Canadá, que lidera o ranking, está isento das sobretaxas por integrar o Nafta, o acordo de livre comércio da América do Norte.

Impacto internacional: a morte da vereadora Marielle Franco, no Rio, levou 52 deputados europeus de esquerda a pedir a suspensão do acordo com o Mercosul. Na foto, manifestação popular na capital fluminense (Crédito:AFP Photo / Mauro Pimentel)

O Itamaraty também pretende aglutinar empresas americanas que importam o aço brasileiro para que pressionem o Congresso, em Washington, a incluir o Brasil na lista de exceções. Na avaliação do diplomata Rubens Barbosa, ex-embaixador em Washington, o governo está no caminho correto da negociação. “Se não houver entendimento com os Estados Unidos, daí não tem saída. Teremos de nos juntar a outros países e entrar na OMC”, afirma Barbosa (leia entrevista ao lado). De fato, uma disputa na OMC é a última alternativa em estudo pela diplomacia brasileira. O processo pode demorar anos e não há garantia de vitória. “Como os EUA alegaram segurança nacional, quem garante que a OMC vai condená-los?”, indaga Barral.

Ainda que saísse vitorioso, o Brasil correria riscos ao retaliar importações americanas, que são insumos estratégicos para empresas brasileiras. Na ponta do lápis, a medida acabaria elevando os custos da produção nacional, gerando aumento da inflação e perda de competitividade. Os especialistas lembram ainda que uma derrota da maior economia do mundo na OMC poderia causar uma reação de desdém do presidente Trump. Tal atitude desmoralizaria o órgão internacional, que atualmente é dirigido pelo brasileiro Roberto Azevêdo. “Acho que estamos em um primeiro momento dessa rodada de negociações, mas espero muito que esses entendimentos frutifiquem e que consigamos evitar uma situação de quiproquó”, afirmou Azevêdo, que também participou do Fórum em São Paulo. “As retaliações poderão levar a uma guerra comercial onde só há perdedores.”


“Se não houver entendimento com os EUA, daí não tem saída. Teremos de entrar na OMC”

Rubens Barbosa, ex-embaixador do Brasil em Washington e Londres

Qual deve ser a postura do governo brasileiro frente ao protecionismo americano?
É preciso ter cautela. Primeiro estamos negociando com os Estados Unidos para ver se alguns produtos podem ser isentos. Isso é o correto. Se não houver entendimento com os Estados Unidos, daí não tem saída. Teremos de nos juntar a outros países e entrar na OMC.

Se entrar na OMC, vai levar muito tempo para uma decisão. Isso gera algum efeito prático?
Leva mais de ano. O efeito prático é criar um problema político grande. Há um risco muito grande porque os Estados Unidos podem se recusar a cumprir eventuais sanções, colocando ainda mais pressão sobre a OMC. É uma situação complicada e delicada.

Mercosul e União Europeia vão realmente fechar um acordo?
Começa a haver uma luz no fim do túnel. Não é para ser assinado amanhã, pois faltam algumas etapas. Até o segundo semestre, estaremos com o acordo anunciado. Isso não significa que será assinado neste governo.

Será um acordo comercial satisfatório para o Brasil?
É difícil dizer sem saber o conteúdo do acordo.

Do que o Brasil não pode abrir mão nas negociações?
Tem de ser um acordo equilibrado, bem balanceado. Um exemplo é o drawback, do qual o Brasil não abre mão (leia a explicação ao longo da reportagem).