Vez ou outra, a melancólica e depressiva América Latina nos surpreende com uma boa notícia. A cientista política Gloria Alvarez acaba de se candidatar à presidência da Guatemala nas eleições gerais de junho desde ano. Linda, loira, dona de hipnotizantes olhos verdes, ela poderia ganhar a vida como modelo, mas preferiu se engajar na luta contra o populismo, a burocracia e a corrupção, as três pragas que atravancam nosso pobre subcontinente. Gloria Alvarez é tão liberal que faria Paulo Guedes corar de vergonha, embora se defina como “libertária”.

O “libertarismo” é um modelo político-social criado pela esquerda no fim do século 19 e apropriado pela centro-direita no século 21. Há várias subdivisões na corrente de pensamento, mas basicamente ela segue os ensinamentos do filósofo inglês John Locke, da escritora Ayn Rand e do economista Milton Friedman, vencedor do prêmio Nobel de Economia em 1976.

Os libertários defendem o livre mercado, a propriedade privada e um feroz individualismo, que os leva a abraçar também uma pauta extremamente liberal nos costumes. O programa de governo de Gloria Alvarez, por exemplo, defende o casamento entre pessoas do mesmo sexo, a liberação das drogas, a legalização do aborto e a regulamentação da prostituição. Ao mesmo tempo, investe contra as “oligarquias sindicais”, a burocracia, os altos impostos, o sistema público de saúde, a aposentadoria estatal e o fim do monopólio governamental na exploração do subsolo e recursos hídricos.

Gloria Alvarez é descendente de cubanos (por parte de pai) e húngaros (a mãe) que emigraram para a Guatemala nos anos 50. Ficou famosa na internet graças aos vídeos nos quais ataca o populismo de direita e de esquerda. Ela se posicionou a favor do impeachment de Dilma Rousseff e hoje milita contra a ditadura de Nicolas Maduro. Também já disse que quer distância de Jair Bolsonaro e seus fanáticos religiosos. É autora de dois livros: “El Engaño Populista” (O engano populista, 2016) e “Cómo Hablar a Un Progre” (Como falar com um progressista, 2017). Escreve atualmente um terceiro, “Cómo Hablar con Un Conservador” (Como falar com um conservador).

No manifesto de lançamento de sua candidatura, publicado no Facebook, ela escreveu: “Sou a presidente de todos os fodidos do país. Sou a presidente da menina de nove anos que ficou grávida depois de ter sido estuprada pelo avô, pai, tio ou irmão. Sou a presidente dos homossexuais que foram espancados por aqueles que aprenderam a odiar o diferente. Sou a presidente de quem sabe que o racismo é idiotice porque somos um liquidificador genético. Sou a presidente dos que contrabandeiam produtos porque sabem que em outros países eles são mais baratos.

Sou a presidente dos que estão cansados de o governo ser dono do subsolo e da água. Sou a presidente dos que estão fartos de pagar subornos para fazer negócios enquanto a oligarquia é protegida pela lei. Sou a presidente dos que estão fartos da corrupção parasitária. Sou a presidente das vítimas de crimes que ficam sem justiça. Sou a presidente dos que têm a coragem de governar a si mesmos. Sou a presidente do interior que não aguenta mais pagar impostos para manter a capital corrupta. Sou a presidente de uma Guatemala livre e soberana”.

Há, no entanto, uma pedra no caminho da Gloria. A constituição guatemalteca estabelece que a presidência só pode ser exercida por pessoas acima de 40 anos — e ela só tem 34. No Brasil, maiores de 35 já podem ocupar o palácio e isso talvez possa servir como incentivo para que ela se mude para cá. Depois de assistir ao fracasso do populismo tosco de esquerda e nos atirar nos braços do populismo tosco de direita, um pouco de “libertarismo” não nos faria nada mal.