Os avanços da cúpula histórica valerão um Prêmio Nobel da Paz para Donald Trump e Kim Jong-un? É possível, mas prematuro, respondem analistas, que lembram também que o Nobel “não é um prêmio para os santos”.

O presidente americano e o líder norte-coreano assinaram, nesta terça-feira (12), em Singapura, um documento bastante vago, que reafirma o compromisso de Pyongyang com “uma desnuclearização completa da península coreana”, um desenvolvimento que alguns gostariam de ver coroado pela prestigiosa recompensa atribuída todos os anos no início de outubro.

Os especialistas se mantêm prudentes, porém, em razão do “timing” e da personalidade dos dois líderes: um, que abalou a diplomacia internacional, ao retirar os EUA do acordo nuclear iraniano, por exemplo; outro, considerado culpado de várias violações dos direitos humanos.

“É muito cedo”, reagiu Asle Sveen, historiador especializado em Prêmio Nobel.

“Mas, se isso levar a um desarmamento real na península coreana, será muito difícil não dar o prêmio. Seria uma situação bizarra, mas já aconteceu de pessoas de passado muito violento terem recebido o Prêmio Nobel da Paz”, lembrou.

Antes mesmo do encontro de Singapura, várias vozes, incluindo personalidades como o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, o ex-presidente americano Jimmy Carter, ou ainda o ministro britânico das Relações Exteriores, Boris Johnson, afirmavam que Trump talvez merecesse o Nobel.

Se uma candidatura do presidente americano acabou sendo invalidada este ano, depois que seu proponente foi considerado culpado de falsidade ideológica, 18 congressistas republicanos propuseram-na para 2019, em reconhecimento de “seu trabalho incansável para trazer paz para o mundo”.

Dez anos após ter dado a Barack Obama um prêmio bastante questionado por ser prematuro, o comitê Nobel deverá, entretanto, ser mais cuidadoso para evitar repetir os erros do passado.

Em 2000, o Nobel foi para o então presidente sul-coreano, Kim Dae-jung, por seus esforços de reconciliação com o Norte, os quais não eram, na verdade, “nada além de uma campanha de relações públicas”, apontou o diretor do Instituto de Pesquisa para a Paz em Olso (Prio), Henrik Urdal.

“Acho, então, que vamos, certamente, esperar ter resultados mais significativos para voltar a dar um prêmio nessa direção”, explicou Urdal à AFP.

– ‘Sangue nas mãos’ –

Se de fato houver avanços no terreno na península coreana, o comitê Nobel estará, então, diante de um dilema corneliano, considerando-se o passivo dos dois principais protagonistas.

“Muitos dos que receberam o prêmio da paz tinham sangue nas mãos”, afirma Urdal.

“A questão é saber se fizeram o bem o suficiente para limpar o sangue. Nem Trump, nem Kim Jong-un deram provas suficientes para levar o prêmio este ano”, acrescentou.

Secretário do comitê Nobel entre 1990 e 2014, Geir Lundestad tinha o costume de dizer que “o Nobel não é um prêmio para santos”.

“Não é mais necessário forçar essa lógica até o extremo”, disse ele na terça-feira à AFP, feliz com a realização da cúpula, mas cético quanto à possibilidade de um Nobel nessa etapa dos acontecimentos.

“Esses dois personagens têm enormes problemas: Kim é um dos piores ditadores do mundo, e Donald Trump está, hoje, destruindo as estruturas políticas e econômicas que os Estados Unidos implementaram depois de 1945 e da qual todos se beneficiam”, avaliou.

E, para completar, tem a questão do Irã.

“O que derruba ainda mais a candidatura de Trump é que ele retirou os Estados Unidos do acordo nuclear iraniano”, ressalta Urdal.

“Ao mesmo tempo, ele escolhe o caminho da paz na península coreana, ele instiga um conflito no Oriente Médio e põe toda uma região em perigo”, aponta.

Para o professor sueco Peter Wallensteen, especializado em questões internacionais, o presidente sul-coreano, Moon Jae-in, merece ser incluído no caso de uma eventual recompensa: “Na verdade, Moon poderia ser aquele que merece mais, mas seria um tapa na cara de Trump!”.