A frase “Marielle, presente!” ecoou pelo Brasil após o assassinato da vereadora Marielle Franco, do PSOL-RJ, e do motorista Anderson Pedro Gomes, no dia 14 de março. Protestos em várias cidades, como na favela carioca da Maré, onde a vereadora foi criada, reuniram milhares de pessoas. O que essas manifestações demonstram é que a brutalidade cometida contra Marielle colocou ainda mais o tema da segurança pública como prioridade. “É possível que a segurança supere a economia como a principal pauta do debate eleitoral”, afirma Gesner Oliveira, sócio da consultoria GO Associados e professor da Fundação Getúlio Vargas, em São Paulo.

O combate à violência já vinha ganhando destaque com a ascensão do deputado Jair Bolsonaro nas pesquisas eleitorais. Controverso e boquirroto, o político carioca, recentemente filiado ao PSL, defende uma política de repressão total ao crime, pautada no militarismo. Mas foi o presidente Michel Temer quem dominou o assunto ao decretar, em fevereiro, uma intervenção federal na segurança do Rio de Janeiro, nomeando o general do Exército Walter Braga Neto como interventor. A medida, considerada uma “jogada de mestre” pelos aliados do presidente, tem, de fato, capacidade de mudar os rumos do pleito de outubro. “O sucesso ou o fracasso da intervenção vai determinar a possibilidade de uma candidatura de Temer ser levada a sério”, afirma Victor Trujillo, professor de marketing político da faculdade ESPM, de São Paulo. “É uma pauta que deve ser explorada por todos, até como uma forma de evitar assuntos espinhosos, como a reforma da previdência.”

A questão da segurança nunca esteve tão em evidência como agora. O Brasil possui a quarta maior população carcerária do mundo, com mais de 620 mil detentos, segundo o Ministério da Justiça. Em 2016, o País bateu seu recorde histórico de assassinatos, com mais de 60 mil mortes. A “bancada da bala”, frente parlamentar financiada com dinheiro da indústria das armas, mostra que há propensão do eleitorado em escolher candidatos com discursos voltados ao tema, especialmente os que defendem um rigor maior no combate à criminalidade.

Novo comando: o general do Exército Walter Braga Neto (ao centro) foi nomeado interventor na segurança do Rio pelo presidente Michel Temer (Crédito:AFP Photo / Mauro Pimentel)

Nas últimas eleições, as duas maiores fabricantes brasileiras de armamentos, a CBC e a Taurus, investiram quase R$ 2 milhões em campanhas para deputados federais e estaduais, elegendo 33 candidatos (confira quadro ao final da reprotagem). As pesquisas mostram que o sentimento entre a população é de indignação, e isso deve pesar muito na hora do voto. “Tenho percebido nas pesquisas que a situação é muito séria”, afirmou Mauro Paulino, diretor da empresa de pesquisas Datafolha, ao site Congresso em Foco. “Alguém que proponha atitude mais rígida contra a criminalidade, mesmo que sejam propostas controversas, atinge parte do eleitorado que está muito assustada com esse tema.”

O fato é que a pauta estará no centro do debate eleitoral em outubro. Com o assassinato de Marielle e Anderson, parte da esquerda, como o próprio PSOL, levantou a questão dos direitos humanos, em oposição ao discurso mais contundente de repressão ao crime. “Mas, na cabeça do eleitor, isso é mais uma questão de polícia”, afirma Murillo de Aragão, cientista político e presidente da consultoria Arko Advice. “Não é ideológico, é uma questão de resultados. Se o Flávio Dino (governador do Maranhão, do PCdoB) apresentar uma política eficiente de segurança, vai ganhar votos.”

Neste momento, quem aparece melhor posicionado para surfar essa onda é o próprio governo, que já tem a seu favor a recuperação econômica. “A economia está funcionando 3% acima do patamar do ano passado”, afirma Oliveira, da GO Associados. Caso a morte de Marielle seja desvendada rapidamente e não houver mais incidentes, a tendência é de um aumento na sensação de segurança, o que favorece Temer, ou alguém apoiado por ele. Bolsonaro, o mais antigo expoente da segurança pública, acabou tendo sua pauta “roubada” e agora aguarda, em silêncio, para se posicionar. Por outro lado, um conflito de maiores proporções poderia colocar tudo a perder. “A imagem de tanques blindados é muito forte, especialmente para o eleitor mais pobre”, afirma Trujillo, da ESPM. “Se o efeito colateral das operações for a morte de muitos civis, terá um impacto negativo para o governo.”

Na eleição presidencial dos EUA, em 1992, o então presidente George Bush, que vinha de uma vitória na Guerra do Golfo, era o favorito para se reeleger. Mas o desconhecido democrata Bill Clinton acabou levando a melhor. Na época, para explicar o fenômeno, o marqueteiro de Clinton, James Carville, foi sucinto: “É a economia, estúpido!”, disse ele, mostrando que os americanos estavam insatisfeitos com a recessão que tomava conta do país. Agora, diante da violência em todo o Brasil, é possível adaptar a frase de Carville. O que deve definir as eleições? “É a segurança, estúpido!”