Por volta das 14h30 da quinta-feira 24, o presidente da Petrobras, Pedro Parente, deu início a uma teleconferência extraordinária, que duraria exatos 57 minutos. Naquele instante, as ações preferenciais da estatal despencavam 15,3%. Em inglês, o executivo disse que precisava explicar principalmente para “quem não mora no Brasil” os motivos que levaram ao corte do preço do óleo diesel em 10%, anunciado na noite anterior.

A decisão, que inicialmente valeria durante apenas 15 dias, obriga a empresa a praticar um preço inferior ao do mercado internacional, gerando um prejuízo estimado em R$ 350 milhões no período. “Fizemos isso pelo melhor interesse da companhia e, é claro, dos investidores”, afirmou Parente. “Agora é com o governo.” A tônica do seu discurso, já reforçado na véspera, era de que a Petrobras perderia de qualquer jeito, pois, se não contribuísse com a solução para a greve dos caminhoneiros, a produção nas refinarias seria paralisada, com perdas diárias de R$ 90 milhões.

O barateamento do diesel nas refinarias não gerou efeito imediato. A paralisação prosseguiu e, em dois dias, o valor de mercado da Petrobras encolheu R$ 50 bilhões – a companhia perdeu para a Ambev a posição de mais valiosa do País. Os investidores consideraram que o governo interveio na política de preços, criada em julho do ano passado, que prevê reajustes diários conforme a oscilação do câmbio e do barril do petróleo no mercado internacional. Em relatório enviado a clientes, o UBS ironizou o anúncio da estatal com o título “Sim, aconteceu de novo”, em referência ao passado recente de ingerências governamentais. Parente negou qualquer interferência política e garantiu que, se isso acontecer, pedirá demissão. “O governo precisará buscar uma nova direção que seja alinhada a essa decisão”, disse.

Na noite da quinta-feira 24, após sete horas de negociações, o governo ofereceu aos caminhoneiros mais do que a Petrobras havia prometido, com o objetivo de cessar a greve por 15 dias. A redução de 10% no valor do diesel valerá por 30 dias e os reajustes deste combustível deixarão de ser diários e passarão a ser mensais. Porém, os custos extras da Petrobras com essas medidas serão reembolsados pelo Tesouro Nacional. Para Parente, o ressarcimento foi uma vitória pessoal. No dia seguinte, as ações da estatal iniciaram o pregão na B3 em forte alta de 5%, mas o apetite por risco foi diminuindo ao longo do dia.

Desde que tomou posse, em 1o de junho de 2016, o presidente da Petrobras não havia vivenciado uma semana tão conturbada. Foram várias reuniões, inclusive um encontro tête-à-tête com o presidente Michel Temer, na quinta-feira 24. Quem acompanhou de perto a agenda de Parente garante que o apoio unânime da diretoria, dado em uma reunião no fim da manhã da quarta-feira 23, no Rio de Janeiro, foi crucial para que ele não sucumbisse à pressão política. Havia um precedente perigoso envolvendo o gás liquefeito de petróleo (GLP). Em janeiro, a petroleira alterou sua política de preços para os botijões de 13 quilos, que previa reajustes mensais. Passou a operar com cálculos trimestrais, que levam em consideração a cotação média dos últimos 12 meses. Naquela ocasião, Parente argumentou que a decisão era “estritamente empresarial”.

No Congresso Nacional, deputados federais e senadores foram à tribuna para pedir uma ação imediata do governo Temer, que demonstrou não ter um plano B para a greve (leia reportagem na pág. 36). Em ano eleitoral, a esquerda populista atacou a política de preços da Petrobras, ignorando o fato de que a estatal quase quebrou no governo Dilma Rousseff por conta da corrupção e do congelamento de preços de combustíveis. A surpresa, no entanto, veio do PSDB, que tenta se distanciar do governo Temer. “A arrogância com que o presidente da Petrobras se dirigiu ao País não pode ser acatada”, afirmou o primeiro vice-presidente do Senado, Cássio Cunha Lima (PSDB-PB), que pediu a demissão de Parente, ex-ministro do governo FHC. “Não é possível, diante de um País derretendo como o nosso, simplesmente achar que a posição técnica de um burocrata é maior do que os interesses nacionais.”

Para o especialista David Zylbersztajn, ex-presidente da Agência Nacional do Petróleo (ANP), a direção da Petrobras acertou ao ceder parcialmente. “A redução por 15 dias foi um gesto positivo, em se tratando de uma empresa monopolista”, afirma Zylbersztajn. “Mais do que isso é função do governo, que tem de arcar com os custos.” O especialista considera válida a discussão sobre subsídios ao diesel, para favorecer o transporte urbano e de carga. Mas o debate precisa ocorrer no Congresso, colocando os custos fiscais no orçamento. “A sociedade precisa saber que a conta é paga por ela, através de impostos”, diz. “Essa conta não é da Petrobras.”