Haverá sempre alguém na Itália a contar histórias de Gianni Agnelli, o patriarca da Fiat. Alguns lembrarão o bravo soldado que pilotou tanques na II Guerra Mundial e voltou para reerguer as fábricas da montadora arrasadas pelas bombas aliadas. Outros irão se recordar de seus tempos de playboy, dos romances com as atrizes Rita Hayworth e Anita Ekberg. Haverá ainda quem comente suas manias, como combinar ternos impecáveis com botinhas de camurça ou usar relógios sobre o punho das camisas. Mas todos, sem exceção, vão se lembrar acima de tudo da importância de Gianni Agnelli para a indústria italiana. Era o proprietário da maior empresa privada de seu país. Acionista dos principais jornais. Dono da Juventus, exemplo de equipe de futebol rica e muito bem gerida. Controlador da Ferrari, Maserati, Lancia, Alfa. Era filantropo, mecenas, político… Para alguns, o embaixador mais atuante da Itália, tal a dedicação aos assuntos internacionais envolvendo sua pátria. Para outros, um monarca da indústria. O cineasta e amigo Federico Fellini descreveu-o assim: ?Coloque-o sobre um cavalo com uma coroa na cabeça. E terá aí um autêntico rei?.

O rei se foi, na manhã fria da sexta-feira 24 em Turim. Deixou órfãs a indústria em geral e a Fiat em particular. Gianni Agnelli morreu em meio a maior crise financeira da história da montadora, afundada em dívidas de US$ 1,4 bilhão e alvo de constantes especulações de venda. Um dia após a sua morte, as ações da Fiat subiram 5% na Bolsa de Milão. Alheio ao luto, o mercado entendeu que sem o ?capitão? no comando a porta estaria aberta para que alguém comprasse a companhia. Agnelli, de acordo com analistas italianos, funcionava como peça de resistência a este tipo de negociação. Não queria o controle da Fiat em outras mãos, principalmente estrangeiras. Embora a família tenha mais de 200 membros como acionistas (obviamente, com opiniões distintas sobre o destino da companhia), a última palavra era sempre de Agnelli. Quem assume em seu lugar, agora, é o irmão Umberto, 68 anos, notório defensor da venda da empresa. Na semana passada, a família se reuniu em Turim para discutir mais uma vez o futuro da corporação. O teor das conversas, até aqui, é desconhecido. ?Resta saber se o Umberto fará valer sua vontade, assim como fazia Gianni?, diz um consultor ouvido por DINHEIRO. ?Mas o certo é que aumentam as chances para os candidatos à compra da Fiat.? Pode ser. Gianni Agnelli, no entanto, deixou na cúpula da Fiat um herdeiro que reza direitinho sua cartilha: o neto John Phillip Elkann. O lema preferido de Elkann é ?empresa familiar é sinônimo de continuidade?.

De qualquer forma, se os acionistas optarem pela venda, a primeira da fila é a General Motors. A empresa americana pagou US$ 2,4 bilhões em 2000 por 20% da montadora italiana. O mesmo acordo dá à GM a opção de adquirir os 80% restantes a partir de 2004. No mercado especula-se que essa transação possa ocorrer ainda este ano. Quem corre por fora é o empresário Roberto Colaninno, ex-presidente da Telecom Italia. Esperto, fia-se no discurso nacionalista para levar a montadora. Até o primeiro-ministro Silvio Berlusconi chegou a falar sobre ajuda governamental ao império italiano.

Do lado da Fiat, prossegue a tentativa de reerguer a companhia. Giancarlo Boschetti, nomeado para o cargo de presidente da Fiat Auto, anunciou no ano passado investimentos de 7 bilhões de euros e uma profunda reformulação em todas as áreas da companhia, do design à linha de montagem. Boschetti convocou os melhores executivos para a tarefa de recuperar as finanças. Entre os quais, dois que já passaram pelo Brasil, país responsável por vendas de
US$ 3 bilhões e tido como o principal mercado da Fiat fora da Itália. São eles, Gianni Coda, homem que levou a filial brasileira à primeira colocação do ranking nacional, e José Tavares da Silva, craque em finanças. Não são só os italianos que torcem pelo triunfo da equipe. A GM está feliz da vida com a nomeação de Boschetti para o principal cargo da montadora. Quer a Fiat tinindo.