Eram 21h20 do domingo 3, quando o Brasil finalmente teve a certeza. Com 94,75% das urnas apuradas, já era matematicamente impossível que a eleição presidencial fosse decidida no primeiro turno. Daqui a quatro semanas, no dia 31, os rostos de Dilma Rousseff e de José Serra estarão novamente nas urnas eletrônicas, diante de quase 134 milhões de eleitores. E os dois tentarão angariar votos escorados em propostas econômicas. 

 

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46,8% dos votos não foram o bastante para Dilma

 

A candidata do governo irá incorporar ao seu discurso o bom momento da economia brasileira, que irá crescer acima de 7% neste ano, além dos 14 milhões de empregos com carteira assinada gerados durante a era Lula. 

 

Serra terá como trunfos o discurso da experiência administrativa, a modernização da infraestrutura em São Paulo, com obras como o Rodoanel, e algumas propostas que podem seduzir parte do eleitorado, como o reajuste do salário mínimo dos atuais R$ 510 para R$ 600, o aumento de 10% para aposentadorias do INSS e o pagamento de 13º salário para os beneficiários do Bolsa Família. 

 

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32,6% com Serra, que diz ter cartas no bolso para virar o jogo

 

Uma hora depois da definição de que haverá segundo turno, Dilma Rousseff fez um pronunciamento oficial em Brasília, ao lado do ministro da Fazenda, Guido Mantega, e de Antônio Palocci, que coordenou sua campanha e construiu pontes sólidas entre a candidata e os empresários. 

 

Depois de agradecer pelos 47 milhões de votos, ela voltou a falar de economia: “O segundo turno é a oportunidade para que eu possa explicar meu plano para erradicar a miséria e fazer com que o desenvolvimento seja para os 190 milhões de brasileiros.”

 

 Hoje, 15,5% dos brasileiros estão abaixo da linha de pobreza – embora o Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) estime ser possível eliminar a miséria em 2016, Dilma diz que a meta pode ser atingida dois anos antes. Para isso, ela conta com uma taxa de crescimento acima de 5,5% nos próximos quatro anos, que pode fazer com que o PIB nacional ultrapasse a cifra de R$ 5 trilhões.

 

José Serra, por sua vez, só reapareceu depois que Dilma fez seu pronunciamento sobre o segundo turno. À 0h15 da segunda-feira 4, ele confraternizou com o senador eleito Aloysio Nunes Ferreira e com o futuro governador paulista, Geraldo Alckmin. 

 

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Faltou pouco: Lula, que já havia preparado a festa em Brasília, será o cabo eleitoral de Dilma no segundo turno

 

“Reafirmo meu compromisso de trabalhar por um Brasil forte e generoso, com mais segurança e menos miséria”, disse Serra. Sua missão é mais complicada. Ele, que ficou 14 milhões de votos atrás de Dilma, terá de herdar quase a totalidade dos votos de Marina Silva, que provocou o segundo turno, ao crescer nos últimos dias e ter a preferência de 19,5 milhões de eleitores. Serra acha que pode. 

 

Além de agradar o eleitor com a proposta de dar 13º aos assistidos pelo Bolsa Família, Serra promete criar uma espécie de bolsa remédio, com a distribuição de cestas de medicamentos gratuitas. “Nessa eleição, economia é tudo. Ela é a grande explicação para a viabilidade da campanha da Dilma e da guinada de Serra”, afirmou à DINHEIRO Zeina Latif, economista-chefe da RBS Global Banking.

 

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Enfim, juntos? Eleito para o Senado e tendo feito o sucessor em Minas, Aécio Neves pode se engajar na campanha serrista

 

Serra e Dilma não estarão sozinhos na busca por eleitores nas próximas quatro semanas. Ao lado da candidata do governo, o próprio presidente Lula deverá ser um cabo eleitoral atuante, além dos aliados petistas que liquidaram a eleição já no primeiro turno, como o governador Sérgio Cabral, no Rio de Janeiro, e Tarso Genro, no Rio Grande do Sul. 

 

Já na tropa de Serra, devem ter participação ativa os governadores Beto Richa, do Paraná, o paulista Geraldo Alckmin e o mineiro Antonio Anastasia, além, evidentemente, de Aécio Neves, eleito ao Senado. Nos bastidores já se fala até em uma eventual substituição de Índio da Costa, atual vice de Serra, por Aécio.

  

Fora das cortinas da política, na órbita empresarial é consenso que a economia será crucial para definir quem será o próximo presidente a governar o Brasil. “Será um fator decisivo. 

 

A trajetória do País nos últimos anos abriu perspectivas promissoras no cenário mundial. O mundo mudou e agora é a vez de os emergentes liderarem o crescimento econômico mundial”, diz Cledorvino Belini, presidente da Fiat e da Anfavea, associação das montadoras. 

 

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“Se o futuro nos oferece perspectivas,  também nos exige desafios”, acrescentou o executivo. E são nesses desafios citados por Belini que ambos os candidatos terão um campo fértil para explorar suas estratégias políticas. Mais de 50 milhões de eleitores – entre votos nulos, abstenções e os 20 milhões de seguidores de Marina Silva, do PV – deverão ser disputados por Dilma e Serra. 

 

“A candidata do governo terá o apoio das massas, claramente beneficiadas pelos programas sociais e o crescimento das regiões mais pobres. Já Serra buscará o eleitor que, mesmo sem questionar a boa fase do País, avalia que muita coisa deixou de ser feita pelo governo Lula, desde a infraestrutura até áreas essenciais como saúde, segurança e educação”, disse a cientista política da PUC Angélica Vieira Pottes.

 

Nesse embate, Serra terá boa munição. As megaobras realizadas em solo paulista nos últimos anos, como o Rodoanel, serão cartões de visita do ex-governador, enquanto Dilma mostrará os projetos e realizações do PAC em todo o País. 

 

O segundo turno também será uma oportunidade de aprofundar o debate político, sobretudo em temas econômicos. Apesar do indiscutível fortalecimento da economia brasileira, alguns assuntos ainda são considerados sensíveis para ambos os lados, desde a reforma fiscal e previdenciária até o modelo de execução de obras de infraestrutura, com uma dose maior ou menor de privatização. 

 

“Esse período até o segundo turno será fundamental para que ambos deixem claras as suas posições sobre os assuntos mais importantes. Do ponto de vista empresarial, é ótimo. O segundo turno traz mais clareza”, disse o empresário Juan Quirós, presidente do Grupo Advento. 

 

“Não há nada de negativo em ter segundo turno. Pelo contrário, é sempre positivo para legitimar a eleição do candidato vencedor”, completou o presidente da montadora Audi no Brasil, Paulo Sérgio Kakinoff. 

 

No mercado financeiro, por sua vez, a tranquilidade persiste. Pela primeira vez, o real saiu mais forte do que entrou em uma campanha eleitoral – a moeda brasileira valorizou-se mais de 10% durante a campanha. 

 

“Os dois candidatos já manifestaram seu compromisso com a estabilidade econômica, inclusive com a preservação das metas de inflação. Por isso, o mercado está muito tranqüilo”, afirmou à DINHEIRO o presidente da BM&F Bovespa, Edemir Pinto. 

 

Se o Banco Central de Dilma seguiria a política de Henrique Meirelles, José Serra teria como trunfo um nome como Armínio Fraga – na prática, portanto, não haveria grande diferença.

 

No quesito mercado de trabalho, as abordagens são também parecidas. Dilma e Serra convergem quando o assunto é mercado interno. Ambos defendem o fortalecimento do consumo como instrumento de crescimento econômico. 

 

Não é para menos. Grande parte dos eleitores que apertaram o botão verde das urnas eletrônicas compareceu às seções eleitorais no domingo embalados pelo melhor ciclo econômico de todos os tempos, em um ano em que o PIB deverá crescer acima dos 7%, maior índice desde o milagre econômico dos anos 70. 

 

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O velho fantasma da inflação, que em 2002 era de 12,5% ao ano, deverá fechar 2010 em 5,2%. Já a baixa taxa de desemprego, um dos principais aliados do governo Lula, está em 6,7% – o menor índice de todos os levantamentos já realizados pelo IBGE. 

 

“Ao entrar no mercado de consumo, os brasileiros passaram a ter acesso a bens indispensáveis e foram ao varejo para adquiri-los”, disse Luiza Helena Trajano, presidente da rede varejista Magazine Luiza. “Espero que o próximo governo continue com o ciclo de crescimento e inclusão social no Brasil.”

 

Para o presidente da Associação Brasileira de Supermercados, Sussumo Honda, que responde por um setor que deve faturar R$ 200 bilhões neste ano, com Serra ou Dilma os fundamentos da economia estarão mantidos. 

 

“As vendas do varejo brasileiro, em especial dos supermercados, comprovam o novo status de consumo do País. Como o Brasil não é mais um Fusca, ou seja, qualquer um consegue mexer, o novo governo precisará preservar os atuais pilares macroeconômicos. Não haverá guinadas. Apenas algumas mudanças na política fiscal, talvez.” 

 

Estatísticas e projeções à parte, quem apostou em uma acachapante vitória de Dilma no primeiro turno pôde notar que esta eleição será decidida nos detalhes. Em oito Estados do País, entre eles os mais representativos colégios eleitorais como São Paulo, Minas Gerais e Paraná, a vitória ficou com José Serra.

 

Já nas regiões mais carentes – com exceção do Rio do Grande do Sul – a maioria deu vitória a Dilma, o que simboliza o anseio da população menos favorecida por melhores condições econômicas.

 

Mesmo que nem todo eleitor domine as teorias econômicas ou acompanhe a rotina das decisões que influenciam o andamento da economia, ele sente que o cenário está mais favorável. Nos últimos oito anos, quase seis milhões de pessoas viajaram de avião pela primeira vez – grande parte dessa multidão a turismo. 

 

“Metade dos 2,5 milhões de nossos passageiros neste ano farão sua primeira viagem de férias com pacotes de uma semana no Nordeste por R$ 500. O trabalhador está mais confiante, sem medo de perder o emprego. 

 

Isso é fundamental para a indústria do consumo e essencial para o setor do turismo. Afinal, quem compra algo financiado se acha que vai perder o emprego no mês que vem?”, disse Daniel Sterenberg, vice-presidente do Grupo Carlyle, controlador da operadora de viagens CVC, dona de 70% do mercado brasileiro. Na prática, essa eleição poderá ser decidida pela glória econômica do presente ou pela promessa de um futuro ainda melhor.

 

(com Crislaine Coscarelli, Denize Bacoccina e Erica Pólo)