A ONU enfrenta um duplo desafio para seus 110.000 soldados de paz em cerca de 15 operações no mundo: protegê-los da pandemia de COVID-19 e sobretudo, evitar a retirada de suas tropas.

Um dos temores é “um efeito de debandada”, porque os países “podem ter a preocupação legítima de dizer ‘não vou permanecer neste lugar’ ou ‘não deixarei meus homens porque, se estiverem contaminados, não serão bem tratados'”, resumiu um diplomata da agência sob condição de anonimato.

Em entrevista à AFP nesta quarta-feira, o vice-secretário-geral das Nações Unidas para operações de paz, Jean-Pierre Lacroix, disse que ainda “não havia recebido pedidos de repatriação devido à COVID-19”. Mas “é mais essencial do que nunca continuar nosso compromisso coletivo com a paz”, acrescentou.

Antecipando a chegada do vírus nos países onde as forças de paz estão posicionadas, a ONU paralisou seus rodízios desde 6 de março, uma decisão estendida até 30 de junho.

Nos acampamentos militares, as quarentenas são aplicadas àqueles que obtiverem resultados positivos, que somavam seis em 6 de abril.

Também foram tomadas medidas de precaução para as patrulhas, para que “os soldados não se contaminem e não contaminem as populações locais”, informou a ONU. A contaminação por cólera da população haitiana, com cerca de 10.000 mortos em 2010, por soldados nepaleses permanece na memória.

“Faremos o possível para garantir que nosso pessoal não seja um vetor de contágio”, afirmou Lacroix, referindo-se a “rígidos padrões de higiene” e a um mínimo ” contato físico com a população”.

Enquanto a África – que concentra uma série de missões, como as do Mali, República Centro-Africana, Sudão do Sul, Darfur, República Democrática do Congo – espera ser gravemente atingida pela pandemia nas próximas semanas, o compromisso da ONU é sobretudo manter a paz.

– “Cultura do efêmero” –

Medidas contra a doença “têm impacto nas operações”, admitiu um diplomata sob condição de anonimato.

No entanto, é absolutamente necessário segui-las para evitar “um desastre total se as operações entrarem em colapso com a saída dos Capacetes Azuis”, acrescentou outro diplomata, também em anonimato.

Precisamos “proteger nossas equipes e sua capacidade de continuar suas difíceis operações”, confirmou Lacroix.

Com essa lógica, o secretário-geral da ONU, António Guterres, solicita desde 23 de março um “cessar-fogo global e imediato” nos países em conflito. O pedido também busca incentivar os países que contribuem com contingentes a não retirar suas tropas.

A União Europeia (UE), importante provedora de policiais e militares, apoiou na terça-feira a manutenção de tropas em missões de paz, prometendo não repatriar as suas.

“Gostaríamos de enfatizar que, apesar da pressão que a pandemia exerce sobre nossos sistemas, continuamos mais envolvidos do que nunca na ação das forças de manutenção da paz em todo o mundo”, reafirmou a UE em mensagem ao chefe da ONU.

Alguns diplomatas querem acreditar em uma resposta africana à pandemia que poderia “surpreender” o Ocidente e facilitar a manutenção dos soldados.

No Ocidente, “o homem tornou-se suficiente, pretensioso”, o que explica “sua angústia ainda maior ao enfrentar uma crise como a atual”, disse um diplomata africano, que mencionou a experiência da África com o ebola e a grande epidemia de sarampo que atualmente afeta a República Democrática do Congo.

Os africanos são mais fortes em termos de resiliência mental, têm uma cultura do efêmero, fé em Deus, no deus muçulmano, no deus cristão, e essa será a força deles”, previu, destacando também o senso de solidariedade “muito mais desenvolvido” no continente africano do que no mundo ocidental.

Falando em “um impacto particularmente grave” esperado nos países que abrigam as forças de paz, devido à deficiente infraestrutura de saúde pública e à fragilidade da coesão social, Lacroix prefere manter a esperança. “O que é encorajador é que estamos um passo à frente do vírus na maioria desses locais onde se encontram nossas forças de paz”, disse ele.