O homem destacado por Roberto Setubal, presidente do Itaú, para representar o banco no leilão do Banespa deixou São Paulo em direção ao Rio às 20 horas do Domingo, 19. Ronald Anton Jong, diretor-executivo do Itaú, acordou às 6 horas do dia 20 e tomou um leve café da manhã com sua equipe de três executivos em um salão localizado no primeiro andar do Hotel Sofitel, um cinco estrelas localizado em uma ponta da Avenida Atlântica. Com o rosto tenso, deixou o hotel às 7h10 em um Omega alugado acompanhado por dois Santana recheados de seguranças. Os carros andaram livremente. Afinal, era feriado de sol no Rio. Dez minutos depois, a caminho da Bolsa de Valores do Rio, Jong recebeu uma ligação. Era Roberto Setubal. A ordem era abandonar o leilão. Jong e sua caravana silenciosa então desviaram do caminho no sentido do Hotel Copacabana Palace. Minutos depois, foram vistos na porta da Bolsa, mas não pararam. Seguiram, para surpresa de quem acompanhou os carros, para a Praça Pio XI. Foi assim, virando a esquina vagarosamente, às 7h31, que o Itaú se despediu da disputa e deixou para trás o tão esperado duelo com o arqui-rival Bradesco. Até o segundo em que o motorista do Omega LMK 0430 acelerou em direção à Pio XI, os dois gigantes do sistema bancário eram tidos como favoritos para o leilão. Depois, tudo o que aconteceu dentro da Bolsa foi resultado daquele movimento. Sem o Itaú na parada, Sérgio Oliveira, do Bradesco, sacou o envelope com o menor valor, de R$ 1,86 bilhão. A mesma atitude teve Claudio Coracin, o homem do envelope do Unibanco, que ofereceu R$ 2,1 bilhões. Sem a banca nacional, o Santander levou o Banespa debaixo do braço por R$ 7,05 bilhões.

 

 

A decisão do Itaú foi tomada, na verdade, no final de uma reunião que durou até o final da tarde de sexta-feira, 17. Às 17h30 horas daquele dia, Roberto Setubal ligou de sua sala localizada no 12º andar de um edifício na Rua Boavista, centro velho de São Paulo, para o presidente do BC, Armínio Fraga. Comunicou, com voz pausada, uma decisão que vinha sendo amadurecida em sua cabeça há pelo menos 10 dias: o Itaú não participaria do leilão. Fraga então pediu para que a decisão fosse mantida em segredo. Setubal cumpriu sua promessa à risca. Pediu para os executivos que participariam do leilão que fossem ao Rio, para não levantar nenhuma suspeita entre os bancos concorrentes. O presidente do Itaú também liberou o restante da equipe no final de semana. Só pediu para a turma manter os celulares ligados, em caso de uma eventual emergência.

O telefonema a Fraga foi feito após uma reunião com a diretoria do Itaú, onde o grupo responsável pelo Banespa expôs as conclusões finais do trabalho que durou vários meses. Entre os presentes, estava Henry Penchas, vice-presidente executivo do banco e o homem que comandou a parte operacional das avaliações. A reunião foi apenas o último lance antes do telefonema feito por Setubal para Fraga. Para chegar a essa conclusão, Penchas fez uma série de reuniões com executivos do banco. Um deles foi Silvio Carvalho, um professor da FGV responsável por custos, um tema fundamental para a decisão final de Setubal. Reuniões regulares também foram travadas por Claudio Ortenblad, diretor de crédito, e Renato Cuoco, da área de informática.

Roberto Setubal participou ativamente do processo. Deslocava-se do centro velho de São Paulo, onde fica uma sede do Itaú, e o QG da parte operacional do grupo Banespa-Itaú, no edifício número 100 da Praça Alfredo Egydio Souza Aranha, no bairro do Jabaquara, em São Paulo. Até mesmo no feriado do dia 15, da Proclamação da República, Setubal debruçou-se na sede do banco sobre planilhas e números. Ficou lá, incansável, até as 19 horas. Com base nessas informações, participou de uma reunião na noite de sexta-feira ? poucas horas após falar com Fraga ? com o conselho de administração do banco, incluindo aí o patriarca Olavo Setubal. Foi ali que o Banespa virou história para o Itaú.

Longe dali, na sede do concorrente Bradesco, o desânimo do Itaú não era grande novidade. Uma semana antes do leilão, antes mesmo da maioria das desistências, a diretoria do Bradesco estava convencida de que o leilão era jogo para preço mínimo. Motivo: o lance mínimo inicial do Banespa foi considerado alto por alguns dos participantes. Para o Bradesco, por exemplo, só valeria a pena desembolsar o dinheiro para tirar o concorrente Itaú do jogo. O presidente do banco, Márcio Cypriano, comentou o assunto diversas vezes entre amigos e gente do mercado. Em uma dessas ocasiões, levantou a questão do preço em um encontro com analistas do Deutsche Bank. Na sede do Bradesco, tinha-se a impressão de que o Itaú também não estava animado com o Banespa. ?O preço que eles pagaram pelo Banestado, e a maneira pela qual ficaram entulhados de créditos fiscais, eram um indício de que o apetite deles pelo Banespa não era tão grande?, avalia uma fonte próxima da diretoria do banco. O único fato que causou estranheza foi a decisão do Itaú de nem ao menos se apresentar ao leilão, mesmo que fosse para oferecer uma oferta baixa. Foi preciso que os representantes do Bradesco no leilão, incluindo o chefe da equipe, Sérgio Oliveira, monitorassem por celular e com olhares aflitos uma possível chegada do Itaú até 30 segundos antes do fim do prazo para a entrega dos envelopes.

Em ação cinematográfica: o representante do Itaúsegue para a Bolsa, mas desvia na porta

A equipe do Bradesco não estava faminta como um leão, mas levou o leilão a sério. Havia 150 pessoas envolvidas na análise do negócio, divididas em duas turmas que não trocavam informações entre si, para evitar o risco de que as duas errassem juntas. Na sexta-feira, eles fizeram a derradeira reunião para acertar os detalhes finais do leilão. Foram contratados também o CSFB e o Goldman Sachs, como advisors. No final de semana anterior ao leilão, dois pequenos grupos permaneceram reunidos analisando possíveis armadilhas ocultas no banco estatal.

 

O Bradesco havia encontrado dados nada animadores no Banespa. Cerca de 20% dos correntistas do banco estatal já tinham conta no Bradesco. A canibalização de agências chegava à faixa dos 50%. E mais: os créditos fiscais, extremamente atraentes para o Santander, não seriam de grande uso para o Bradesco, que está atulhado desse tipo de crédito depois de aquisições como o Boavista e o Baneb. As expectativas de retorno do Banespa, na avaliação do Bradesco, eram muito mais baixas que as divulgadas pelo Santander depois da privatização. Por tudo isso, o jogo do Bradesco era o seguinte: o leilão só valeria a pena se o preço fosse muito baixo. A partir de certo limite seria mais vantajoso deixar o Itaú levar o banco público. Nesse caso, o Itaú teria uma margem muito pequena de vantagem ? ficaria cerca de R$ 3 bilhões maior que o concorrente. Teria então de recuperar o investimento no Banespa e crescer organicamente. Agora, a missão ficou para o Santander.

Colaboraram: Ernesto Bernardes e Lucia Kassai