Um dos slogans mais famosos do mercado publicitário traz uma frase que, traduzida do inglês, seria: “Pense diferente”. Durante anos, essa curta combinação de palavras foi o mantra de uma das mais revolucionárias empresas que já existiram. Curiosamente, a mensagem que inspirou a Apple a se tornar a companhia mais valiosa do mercado, ao moldar os rumos de uma nova indústria digital – principalmente, após o lançamento do iPhone, em 2007 –, parece combinar cada vez menos com seu DNA. Pelo contrário. Se não tivesse sido cunhada por Steve Jobs, a tal mensagem – “Think different” – poderia fazer parte de qualquer propaganda atual da Microsoft. E isso chocaria quem, por muitos anos, considerou a companhia criada por Bill Gates tão quadrada quanto as janelas do seu sistema operacional. Sob o comando de Satya Nadella, a desenvolvedora do Windows apostou na inovação e saiu da caixa para voltar a crescer e figurar como protagonista.

No pregão de 26 de novembro, a Microsoft conseguiu voltar a ser a companhia mais valiosa do mercado, ao ser avaliada em US$ 812,9 bilhões, contra US$ 812,6 bilhões da Apple. A liderança durou apenas algumas horas, já que a fabricante do iPhone recuperou o posto no fim do dia e, até agora, manteve a liderança. Mesmo assim, é um episódio simbólico. Em abril, vale lembrar, a desenvolvedora de softwares já havia conseguido ultrapassar o valor de mercado da Alphabet, holding que controla o Google, em meio bilhão de dólares. Mesmo com uma recuperação das ações do conglomerado de Larry Page e Sergey Brin, a gigante de Redmond ainda manteve-se à frente. A liderança, assim como hoje, pertencia à Apple. Em agosto, a companhia da maçã ultrapassou os doze dígitos de valor de mercado.

MAÇÃ PODRE?
Fraco desempenho nas vendas dos iPhones XS, XR e XS Max contou para a queda de 19,6% das ações da Apple

Fruto proibido De lá pra cá, muita coisa mudou. Principalmente, em novembro. O penúltimo mês do ano marcou uma queda livre nos papéis da empresa da maçã. A companhia de Cupertino viu seu valor de mercado cair 19,6%, de US$ 1,1 trilhão para US$ 893 bilhões. “A Apple se tornou muito dependente de um produto”, diz Roger Kay, da consultoria americana Endpoint. “Não há mais uma distinção suficiente entre seus concorrentes.” Isso não seria ruim, não fosse o fato de que as vendas de iPhones cresceram menos de 1% no último trimestre. Em termos de receita, as vendas de celulares representaram uma fatia de 58,9% do faturamento de US$ 63 bilhões no período. O restante foi obtido com as vendas de iPads, Macs – que caíram 6% e 2% respectivamente – e outros dispositivos, além de conteúdo digital, como a venda de aplicativos.

Esse mau resultado fez com que fornecedores da Apple vivessem momentos de incerteza após a fabricante diminuir em quase um terço a sua demanda por aparelhos. A empresa americana Lumentum Holdings, que fornece componentes para o sistema de reconhecimento facial para telefones, por exemplo, já reduziu sua previsão de receita líquida de US$ 430 milhões para, no máximo, US$ 355 milhões – queda de mais de 17%. Outra parceira preocupada é a taiwanesa Foxconn, que faz a montagem dos celulares. De acordo com um documento obtido pela Bloomberg, a companhia pretende reduzir US$ 2,9 bilhões em gastos em 2019, porque enfrenta “um ano muito difícil e competitivo.”

Enquanto a Apple parece ter parado no tempo, a Microsoft resolveu acelerar, por perceber o declínio em seu mercado. Dados da consultoria americana Statista mostram que a venda de computadores passou de 365,3 milhões de unidades, em 2011, para 262,5 milhões no ano passado – quase 30% a menos. Era preciso mudar a mentalidade de uma empresa que apostava todas as suas fichas no Windows. Isso foi feito com a substituição do CEO, Steve Ballmer, por Satya Nadella, em fevereiro de 2014. Em sua primeira mensagem oficial para os funcionários da companhia, o novo homem-forte da Microsoft lembrou que “a indústria não respeita a tradição. Apenas a inovação.”

Na nuvem Se nos celulares a disputa com a Apple ficou difícil – ainda mais, pelo fracasso na tentativa de transformar a Nokia numa gigante do setor –, a principal aposta foi na nuvem. Do faturamento de US$ 29,1 bilhões no terceiro trimestre deste ano, US$ 8,6 bilhões (29,5%) foram de serviços baseados na tecnologia Azure. De acordo com a consultoria americana Gartner, a plataforma da Microsoft detém quase um terço do mercado. O líder do setor é o Amazon Web Services, da empresa de Jeff Bezos, com 49% do segmento. A diferença já foi maior. No fim de 2017, o serviço da Amazon era usado por 62% dos usuários.

O investimento em novas tecnologias animava o mercado. Em dezembro do ano passado, o fundo de investimentos Tiger Global Management injetou US$ 132 milhões na operação da Microsoft. No mesmo mês, uma previsão do Keybanc Capital Market especulou que as ações da Microsoft estariam cotadas a US$ 106, num período de doze meses. Na quarta-feira 5, elas estavam sendo vendidas na Nasdaq por US$ 108,5. Um tiro tão certeiro quanto o que Nadella está acertando no comando da Microsoft. Ou como os que Jobs disparava quando era o cérebro por trás da maçã.