O próximo presidente terá apenas seis semanas para tomar uma das decisões estratégicas mais difíceis de sua gestão. Até 15 de fevereiro de 2003, o Brasil terá que apresentar aos 33 países signatários da Área de Livre Comércio das Américas, a Alca, uma oferta de redução das nossas tarifas de importação, setor por setor, produto por produto, ano a ano, até chegar a zero ? e terá ainda que explicar como pretende reduzi-las, com sistemática e coerência. As negociações em torno da Alca vêm se arrastando há oito anos, sem qualquer resultado prático, mas desde 15 de agosto último, quando foi aberta a temporada de apresentação de propostas, não dá mais para adiar decisões. Nesse jogo, o Brasil está correndo contra o relógio e, se fizer uma má oferta inicial, as conseqüências poderão ser desastrosas ? a Fiesp aponta o risco de um prejuízo de US$ 1 bilhão para a indústria.

 

Há muitas ameaças. Em setores
como têxteis e agroindústria o País vem se preparando há anos para o jogo da Alca. Mas no estratégico setor de serviços, que inclui bancos, telefonia e informática, nenhuma reunião foi organizada e o governo ainda não tem clareza sobre que tipo de proposta vai apresentar. ?As ofertas iniciais serão cautelosas?, adianta o embaixador Clodoaldo Hugueney, chefe das negociações junto à Alca e ao Mercosul.

Essencialmente, os Estados Unidos querem que a América Latina abra o mercado de serviços, especialmente os setores de finanças e de compras governamentais. O Brasil, por sua vez, quer que os EUA abram o mercado agrícola. ?Se eles não abrirem para nós, não vamos abrir para eles?, explica Hugueney. Daqui para frente, os prazos serão sempre apertados. Em fins de agosto ocorreu uma rodada de três dias de reuniões em Santo Domingo, República Dominicana, com os principais negociadores do acordo, para resolver os últimos pontos pendentes das regras do jogo. Ficou estabelecido em detalhes um cronograma de apresentação de propostas e contra-propostas. Até 15 de outubro, os países terão que apresentar uma lista de todos os produtos a serem incluídos no acordo, notificando a tarifa de importação básica que oferecem para cada um. Logo depois, em fevereiro, será a hora de apresentar a oferta oficial de redução da tarifas, ano a ano. Será essa a decisão mais complicada, muito mais política do que técnica, a ser tomada pelo próximo presidente brasileiro. A oferta inicial mais esperada é a dos Estados Unidos, que ainda não colocaram suas cartas na mesa. Há uma lista de 341 produtos, quase todos agrícolas, que os EUA querem incluir numa lista de exceções ? ou seja, continuarão sob proteção do governo. ?O Tio Sam não será um mau tio para os que aceitarem as regras do livre mercado?, defendeu-se recentemente Robert Zoelick, representante da Casa Branca para Comércio Internacional (USTR).

Negociação em bloco. O fato é que o tempo corre contra o Brasil. ?Ninguém vai parar a Alca à espera de o Brasil resolver seus problemas?, diz Roberto Teixeira da Costa, presidente do Conselho de Empresários da América Latina. O Itamaraty escolheu o acidentado caminho de negociar a entrada do País na Alca dentro do bloco do Mercosul. Assim, a oferta inicial será a do bloco, não do Brasil. Também será do bloco a notificação das tarifas bases de cada produto. Até chegar lá, têm de ser superados problemas quase insolúveis nas negociações tarifárias entre Brasil e Argentina. Uma vitória importante da diplomacia brasileira foi conseguir dos Estados Unidos uma dilatação de seis meses do prazo final para a apresentação da notificação de produtos do Mercosul. ?Isso permitirá que o próximo governo faça alterações e reveja a proposta?, explica o embaixador Hugueney. Mesmo assim, o novo governo também terá de se apressar. Começa a correr em dezembro próximo o prazo
para a segunda etapa das negociações, na qual cada País
poderá apresentar aos demais pedidos de ?melhorias nas ofertas?. Essa fase correrá concomitante à primeira e a Alca entrará
em vigor em janeiro de 2005.

 

Dias atrás, um grupo de empresários, acadêmicos e representantes da sociedade civil apresentou um documento apontando que o governo está, sim, atrasado.
Batizado de Força Tarefa, esse grupo
é patrocinado por empresas como Petrobras, Bradesco, BNDES, Souza Cruz e Philip
Morris. ?A indústria e o comércio já
sabem o querem?, explica Marco Marconini, coordenador da Força Tarefa. ?O governo tem de nos acompanhar. Afinal, é ruim
o País não saber o que quer.? As queixas contra o governo dizem respeito, principalmente, ao diálogo com as empresas na preparação da oferta inicial brasileira.
O Ministério do Desenvolvimento ficou
de preparar uma lista dos produtos
com respectiva redução das tarifas de importação, um trabalho ainda em fase
inicial. A maioria dos prometidos fóruns com os vários setores da economia ainda está só no papel. Na quinta-feira 5, um grupo
de 100 pessoas, entre diplomatas, funcionários do governo e representantes de entidades empresariais, como Febraban e Fiesp, reuniu-se na Confederação Nacional da Indústria, em Brasília, para ? finalmente! ? aprovar o calendário de reuniões setoriais sobre a Alca. É Roberto Teixeira da Costa quem toca na ferida: ?O Brasil precisa ser mais propositivo e menos reativo na questão Alca. Sempre somos vistos como aquele país que dificulta. Como o Brasil quer melhorar suas contas externas sem uma boa relação com os EUA??, pergunta. ?Pior é não negociar.?

Colaborou Fabiane Stefano