Um final trágico para uma trajetória de desacertos. O acidente do Concorde na pequena Gonesse, no subúrbio de Paris, ocorrido na terça-feira, 25, coloca no ar uma questão que há tempos vem sendo discutida no setor de aviação civil: qual a real utilidade do supersônico franco-britânico para o mercado, a não ser servir como peça de marketing? Para as duas únicas companhias que têm o jato em suas frotas ? 13 unidades divididas entre Air France e British Airways ? o Concorde é rentável. Os ingleses não abrem o jogo, mas os franceses dizem que os supersônicos representam 1,3% das receitas da empresa. Isso equivale a um faturamento no primeiro trimestre de US$ 18,5 milhões. A Air France diz que os lucros operacionais do Concorde têm desempenho superior ao da média total de sua frota. Isso é explicado pelo alto custo das passagens: US$ 10 mil. O argumento francês é questionável. Primeiro porque o Concorde é subutilizado. A frota voa quatro vezes menos que os demais aviões. Segundo, a taxa de ocupação é baixa. Raros são os vôos nas duas únicas rotas operadas, Londres e Paris para Nova York, que decolam cheios. Lotação mesmo só nos fretamentos, como no da fatídica terça-feira. Além disso, existem outros problemas.

O Concorde é um beberrão, um Maverick dos céus. Consome o dobro de combustível dos aviões subsônicos: 96 toneladas contra 48 de aeronaves como o Boeing 777. A manutenção é outro problema. Não há peças em estoque. Tudo tem de ser encomendado, o que aumenta os custos de reparo. Além disso, é preciso ter uma equipe exclusiva de manutenção. O avião fez seu primeiro vôo em 1969, em meio a disputa pela hegemonia da aviação comercial. Na época, os europeus queriam frear o avanço das americanas Boeing e McDonnell-Douglas. Para isso, montaram um consórcio com empresas como Aerospatiale Matra, British Aerospace e Rolls-Royce. O projeto consumiu US$ 5 bilhões e tanto França como Inglaterra acreditavam no sucesso do pássaro branco. ?Aí veio a crise do petróleo e o custo do combustível inviabilizou o projeto?, explica Roberto Pereira, consultor de aviação.

O preço alto do bilhete somado à baixa capacidade ? 100 passageiros, como em qualquer 737 da Boeing ? acabou transformando cada decolagem em prejuízo certo. Por um tempo executivos voaram de Concorde para mostrar status. Era chique almoçar em Nova York e tomar chá em Londres, três horas depois. Mas o avanço dos serviços de telefonia e a chegada da Internet tiraram as vantagens do supersônico. Fora o fato de, apesar do caviar e da champanhe a bordo, o salão de passageiros ser estreito como o do Fokker-100. Em resumo, muita gente concluiu que era melhor voar confortavelmente de primeira classe ou executiva, em um vôo subsônico pela metade do preço. E bebendo a mesma champanhe servida no Concorde.