Diz o pessoal do ?Casseta & Planeta? que os surfistas são a única tribo do mundo capaz de formar uma frase inteira sem consoantes: ?Ó o auê aí, ô!? Pilhéria maldosa, obviamente. Está aí o gaúcho Marco Aurélio Raymundo para desmenti-la. Pediatra de formação e empresário por opção, ele é capaz de passar horas explicando como a filosofia chinesa e o escritor bicho-grilo Carlos Castañeda têm tudo a ver com o seu negócio. Raymundo é dono da Mormaii, a marca de surfe mais poderosa já criada no Brasil. São 25 anos no mercado, uma fábrica de 6.000 m2, 200 funcionários, trinta lojas aqui e no exterior e R$ 60 milhões de faturamento. O valor é uma estimativa do mercado, já que o empresário não fala em números nem em troca da maior onda havaiana. No comando disso tudo, um senhor de 54 anos que aparenta 40 e não segue nenhuma cartilha conhecida de administração. A sede da Mormaii fica em Garopaba, Santa Catarina. Raymundo trabalha de chinelo e bermudão, passa tardes inteiras surfando e não tem um subordinado que o trate por ?doutor?. Todos o chamam de Morongo. ?É um apelido antigo. Eu tinha tantas sardas no rosto que parecia um morango. E também era meio mocorongo. Aí virei Morongo, falou?, explica, no típico linguajar da areia.

A Mormaii nasceu de uma necessidade particular de Morongo.
Em 1974, ao sair da faculdade de medicina, ele foi para Santa Catarina em busca de um jeito alternativo de viver. Riponga, ins-
talou-se em Garopaba e montou o primeiro posto de saúde da região. Na época, a vila de pescadores não tinha luz elétrica nem água encanada. Para se divertir, só restava o surfe. O duro era encarar
a água fria do mar. ?Primeiro pedi para uma tia tricotar um macacão de lã?, conta. ?Depois a coisa evoluiu para o neoprene, que eu trazia das minhas viagens aos Estados Unidos e costurava na varanda da minha casa?, conta. Os amigos gostaram da idéia e começaram a fazer encomendas. Assim surgiu a Mormaii ? mistura de Morongo,
Maira (sua primeira mulher) e Hawaii. As roupas de neoprene da marca logo viraram referência mundial num segmento disputado para valer por apenas mais três fabricantes: O?Neill (EUA), Gull (Inglaterra) e
Rip Curl (Austrália). Exportadas para Alemanha, Japão, Argentina, Chile, EUA, México, Portugal, Austrália, as peças da Mormaii já
foram consideradas as melhores do mundo por uma associação de surfistas da Inglaterra. ?E são usadas até pelos mergulhadores da Petrobras?, orgulha-se o criador.

Com uma marca forte nas mãos, Morongo deu então o seu segundo pulo do gato: licenciou a grife para fabricantes de mochilas, bonés, óculos, camisetas, chaveiros e outros 600 itens que já são vendidos em mais de 3 mil pontos-de-venda no Brasil e no exterior. Hoje, as roupas de neoprene representam só 7% do faturamento. Foi com os outros artigos de vestuário e acessórios que Morongo duplicou as receitas da companhia nos últimos dois anos. A Grendene, por exemplo, acaba de lançar uma linha de sandálias femininas da marca. E a Technos espera vender 200 mil relógios Mormaii este ano (foram 96 mil em 2002). ?Esse contrato foi a melhor coisa que fizemos nos últimos tempos?, derrete-se Maria Estela Silvestrini, diretora de marketing da Technos. ?Agora temos produtos para os consumidores jovens. A linha representa 10% de nossas vendas?, afirma. A Nissan também foi na onda: seu novo jipe X-Terra traz capas para os bancos feitas em neoprene pela Mormaii. Mas Morongo não é muito ligado em números. ?De contabilidade eu não entendo uma guampa?, diz, em gauchês. ?Se eu tenho algum mérito nessa história foi o de ter escolhido as pessoas certas para ocuparem os cargos certos na empresa.?

Coincidência ou não, 90% de seus funcionários pegam onda. O que
é melhor: em pleno expediente e com a anuência do patrão. Na Mormaii, é comum perguntar por alguém e ouvir a seguinte resposta: ?Ah, ele foi surfar e já volta?. O que vale, como diz Morongo, ?é liberdade com responsabilidade?. ?Não me interessa como as pessoas executam as suas tarefas. O importante é que executem?, diz. Ele mesmo é assim. Tempos atrás, ficou um ano inteiro sem pisar no escritório. Retirou-se para meditar numa cúpula que construiu perto de sua mansão de 1.000 m2 de frente para o mar e com estúdio de música particular. Só saía para comer. ?Para você entender como
eu toco a empresa vou ter que citar Don Juan, por Castañeda: ?A regra mais importante da vida é ter, a todo instante, a consciência
da morte??, filosofa, para, em seguida, empolgado, apelar também para a filosofia chinesa: ?A maioria dos executivos é ?yang?. Eu sou ?yin? total, brother.? Ih, ó o cara…