De todas as ousadias verbais do prefeito de São Paulo, João Doria, a mais atrevida foi disparada na semana passada: por que não privatizar a Petrobras? A simples ideia de tirar o controle da maior empresa brasileira das mãos da União causa calafrios em esquerdistas, nacionalistas, desenvolvimentistas, oportunistas, carreiristas e outros istas que habitam ou orbitam a estatal. Até políticos que concordam com isso têm medo de dizê-lo para não perder votos de eleitores que defendem que o petróleo é nosso e a Petrobras é uma vaca sagrada da Nação. “Onde já se viu passar uns cobres no patrimônio nacional e ficar à mercê de investidores estrangeiros?”, gritarão uns. “E logo a Petrobras, que tem um tesouro a explorar no pré-sal, a prova viva de que Deus é brasileiro?”, dirão outros.

Doria, realmente, é um polemista nato e desafia os limites do debate político tradicional. Sua retórica de Governo Vende Tudo, inclusive o Estádio do Pacaembu e o Autódromo de Interlagos, garantiu-lhe uma vitória na eleição municipal. Ao mexer com a Petrobras, o tucano nacionaliza a discussão, mas enfia o bico num imenso vespeiro. O jornalista Paulo Francis adorava denunciar as mazelas da Petrobras. Foi xingado por muitos e tomou um processo de US$ 100 milhões de diretores da estatal acusados de formar “a maior quadrilha do Brasil”. O economista Roberto Campos também combatia o monopólio estatal, criticava a Petrossauro e era taxado de entreguista. Francis, Bob Fields e o monopólio se foram, mas o orgulho nacionalista ficou. Henri Philippe Reichstul, no Governo FHC, tentou trocar a marca para PetroBrax. Quase foi fuzilado.

Apesar da vigilância, a Petrobras continuou a ser saqueada por quadrilhas de vários partidos e empresas na Era PT. Em tempos de petrolão e Lava Jato, porém, nem mesmo os mais indignados com a roubalheira defendem a privatização da companhia. O PSDB, inclusive, foi taxado de privatista e perdeu uma eleição nacional para o PT ao esconder o legado de Fernando Henrique. Logo ele, que privatizou o Sistema Telebras e popularizou as telecomunicações. Hoje, questiona-se a qualidade dos serviços, mas todos têm telefone. Certo ou errado, Doria levanta uma bandeira interessante, pois reanima o bom debate sobre o tamanho do Estado. O que nós queremos e quanto vamos pagar por isso? Qual deve ser o porte da máquina pública e o peso das estatais nos setores estratégicos? Quando há Estado demais e eficiência de menos, quem paga o pato é a população, com impostos exagerados ou injustos e serviços públicos de péssima qualidade nas áreas fundamentais de saúde, educação, transporte e segurança.

Estatais poderosas e sem controle adequado viram feudos políticos e ninhos de corruptos. As fortunas surrupiadas da Petrobras, dos Correios e de outras companhias poderiam ter sido investidas na construção de um país melhor para todos. Mas quem disse que o Estado mínimo e sem grandes estatais é a panaceia que vai resolver todos os males do Brasil? Os imensos desafios econômicos e o profundo fosso social não serão superados somente à base de mais competição privada e meritocracia e menos interferência e regulação estatal. A questão é complexa. Além dos riscos (minimizáveis) de a privatização favorecer compadres, há os riscos naturais dos grupos privados, que podem deixar o País na mão. Hoje, há empresas devolvendo concessões de estradas e aeroportos e obras paradas no setor energético. A Odebrecht, a JBS e outras megacorporações provaram que podem ser tão nocivas à sociedade quanto os mamutes estatais corruptos.

Nesse debate interminável, é preciso encontrar o ponto de equilíbrio. Devemos questionar os dogmas econômicos, o nacionalismo, o liberalismo, o imperialismo, a globalização, o que for. Devemos discutir se novas políticas de compliance (conformidade) reduzirão a contento os desvios de conduta nas empresas públicas e privadas. Se as agências reguladoras e fiscalizadoras darão conta do recado e do mercado – o que não tem acontecido. E se empresas como a Petrobras devem ser dirigidas como estatais ou como companhias públicas, prestando contas a milhares de acionistas. Ou se devem ser vendidas, com ou sem golden share, como a Embraer. O que não se pode – e nisso Doria está certo – é fugir do debate.