A tradução mais aproximada para o termo “crowdfunding” é financiamento coletivo. Mais especificamente, financiar qualquer projeto captando pequenas quantias de diversos investidores. A tradicional vaquinha, ou ação entre amigos, facilitada pela tecnologia da informação. Porém, o que surgiu no início da década passada como um instrumento para viabilizar iniciativas humanitárias e culturais tornou-se uma maneira de empreendedores levantarem capital para tirar seus projetos do papel por meio do Equity Crowdfunding (ECf). E isso deverá ganhar uma nova ênfase neste ano. Após vários meses de adiamento, a expectativa dos profissionais do setor é que, ainda no segundo trimestre, a Comissão de Valores Mobiliários (CVM) divulgue uma atualização das regras do ECf, permitindo incluir empresas maiores e movimentar mais recursos. Com isso, ficará mais fácil procurar a empresa que começou na garagem e que possui o potencial de se transformar no próximo unicórnio brasileiro, valendo mais de US$ 1 bilhão antes de listar suas ações na Bolsa.

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“Esse mercado deve evoluir muito, tanto pela chegada de mais empresas como pela mudança no perfil dos investidores”, disse a CEO da plataforma de captação de recursos Kria, Camila Nasser. “Até pouco tempo atrás os investidores em startups e os empreendedores por trás delas tinham um perfil muito parecido: homens brancos, moradores de São Paulo, com formação em ciências exatas ou econômicas e uma pós-graduação no exterior.” Agora, segundo Camila, o surgimento de mais plataformas de ECf e a popularização do conhecimento financeiro ­— fenômeno conhecido como “financial deepening” — permitiram a diversificação e a expansão desse mercado.

O crescimento acentuado do número de plataformas dedicadas ao ECf é um bom indicador. Segundo dados da CVM, havia 54 plataformas autorizadas junto à autarquia no fim de 2021. Esse número representa crescimento de 69% em relação às 32 autorizadas no fim do ano anterior. “Agora há uma diferenciação no mercado. Estão surgindo plataformas dedicadas a nichos específicos”, disse Camila.

MUITO ESPAÇO Para Igor Romeiro (à dir.) e Alcides Jarreta, da Efund Investments, o mercado de ECf ainda está longe de atingir todo o seu potencial. (Crédito:Divulgação)

ATUALIZAÇÃO A expectativa é que o impulso definitivo para esse mercado venha com a atualização das regras do ECf pela CVM. As primeiras captações de recursos por meio do ECf ocorreram no Brasil em 2014, ainda distantes do empreendedorismo. Ao lado de iniciativas humanitárias, como o tratamento médico da criança pobre com uma doença rara, estavam projetos culturais e uma ou outra startup. A CVM só viria a regulamentar o processo em 2017, por meio da Instrução 588. Esse é o arcabouço legal que sustenta o ECf no Brasil, e que, na opinião dos profissionais do setor, precisa ser modernizado.

A instrução da CVM atualmente em vigor estabelece, deliberadamente, barreiras à captação. Para defender o investidor, ela impõe limites ao faturamento da empresa que fará o ECf, que não pode superar R$ 10 milhões por ano. Também restringe o tamanho da captação, impondo um teto de R$ 5 milhões. E se um investidor quiser vender sua participação para outro, a legislação impede que as plataformas façam essa intermediação. Na prática, esses limites reduzem o escopo das empresas participantes e sua capacidade de levantar recursos, e tornam inviável um mercado secundário dessas participações, algo que afasta os investidores.

Outra mudança deverá ser um aumento da liberdade para plataformas e empresas anunciarem suas emissões. Atualmente, essas captações só podem ser divulgadas pela própria empresa ou pelas plataformas, o que diminui o alcance das iniciativas.

Essa regulamentação não foi criada pela CVM como parte de um plano diabólico para impedir o florescimento desse mercado. Ao contrário, foi uma decisão plenamente justificada. Visava proteger os investidores contra esquemas mirabolantes de vigaristas de diversos tipos que poderiam se aproveitar de um mercado que estava surgindo. Agora o perfil dos participantes mudou. “As empresas que se candidatam a receber esses recursos já estão além dos primeiros estágios”, disse a CEO da plataforma Beegin, Patrícia Stille. “Seus empresários já foram além do PowerPoint, e agora procuram recursos para desenvolver suas empresas. Já os investidores buscam uma alternativa para diversificar suas aplicações.” Segundo Camila, da Kria, a expectativa do mercado era que a CVM houvesse divulgado a atualização das normas de captação no primeiro trimestre de 2021, mas a pandemia acabou atrasando o processo.

Claudio Gatti

“O mercado mudou, as empresas que se candidatam a receber esses recursos já estão além dos primeiros estágios.” Patrícia Stille, CEO da Beegin.

OBSTÁCULOS Patrícia afirmou que a maior parte dos investimentos ocorre por meio de dívidas, como debêntures e notas conversíveis em participações, ou contratos de mútuo. Esses compromissos financeiros são amplamente reconhecidos por investidores e bancos. No entanto, ainda há alguma dificuldade em negociá-los, proporcionando uma porta de saída para o investidor. Esse obstáculo poderá ser superado com a criação de mercados de participações, em que a intermediação dos negócios poderá ser facilitada por plataformas como Kria e Beegin.

As possibilidades são amplas. “Uma empresa estabelecida tem de passar por um processo longo e trabalhoso para listar suas ações na bolsa, mas os processos para startups são mais fáceis, menos morosos e muito mais baratos”, disse Camila. Segundo a executiva, esse mercado vem cravando recordes sucessivos. As empresas brasileiras em suas primeiras fases captaram R$ 5 bilhões em 2021 por meio do venture capital. Esse total já superou os investimentos em private equity, dedicados a empresas maiores e de capital fechado.

Na avaliação do cofundador da plataforma de ECf Efund Investments, Igor Romeiro, o potencial do mercado para este ano é movimentar R$ 300 milhões, um crescimento de quase 50% ante os R$ 204 milhões levantados em 2021. No ano passado ocorreram 116 ofertas, e neste ano essa cifra pode chegar a 200. “Esse mercado está amadurecendo, mas ainda não chegou nem perto do seu ápice”, disse Romeiro. Segundo Alcides Jarreta, o outro cofundador da plataforma, o potencial de crescimento do número dos investidores é proporcional ao observado na B3, onde os CPFs inscritos superaram 5 milhões no início de fevereiro. “As pessoas estão se acostumando a investir na bolsa, com a ajuda dos programas de divulgação e dos assessores de investimento”, disse ele. “Com a ajuda das plataformas, um caminho parecido pode ocorrer com as startups.”

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