No fim do ano passado, o presidente da Kia Motors do Brasil, José Luiz Gandini, apresentou aos coreanos seu plano de negócios no País. Naquele momento, o dólar era vendido a R$ 3,30, o mesmo patamar que o mercado financeiro projetava para 2018. Após consultar os bancos, Gandini cravou a meta de vender 20 mil veículos neste ano, todos importados. O objetivo, se alcançado, representará uma expansão de 137% em relação a 2017. No primeiro trimestre, tudo aconteceu conforme o planejado, com emplacamentos em alta e câmbio bem comportado. Nas últimas semanas, no entanto, o dólar não parou de subir, superando a marca de R$ 3,50. O efeito prático foi o encolhimento de 22,5% nas vendas da fabricante coreana no mês passado, em relação a março. “Nenhum importador está dormindo em paz”, afirma Gandini, que também é presidente da Abeifa, a associação das montadoras que importam veículos. “Com dólar a R$ 3,50, estou pisando em brasas.” No seu escritório, em Itu, o empresário tem um terminal sintonizado na Bloomberg para acompanhar a cotação do dólar em tempo real.

A desvalorização súbita do câmbio tem impacto direto no preço dos carros importados, prejudicando as vendas. O setor encolheu 6,4% em abril, em relação a março, e há o temor de que os próximos meses sejam ainda mais difíceis. Na média, a Kia e outras 15 marcas, como JAC Motors, Ferrari, Lifan e Jaguar, projetavam um crescimento de 34,5% neste ano, mas a meta não será alcançada, segundo a Abeifa, se o dólar permanecer acima de R$ 3,50. O estresse cambial está relacionado com o risco de um ciclo agressivo de elevação dos juros nos Estados Unidos. Quanto mais alta a taxa americana, mais intensa é a saída de recursos de países emergentes, como o Brasil, em direção à maior economia do mundo.

Ganha: Exportadores de commodities e de produtos industrializados lucram com a alta do dólar. A volatilidade, porém, é ruim (Crédito:Divulgação)

O Banco Central dos Estados Unidos, conhecido como Fed, vem demonstrando preocupação com a alta da inflação, que deve superar a meta anual de 2%. A elevação dos preços decorre não apenas do crescimento econômico, que deve chegar aos 3% neste ano, mas de medidas populistas do presidente Donald Trump. Dentre elas, o corte generalizado de impostos para as empresas e a sobretaxa ao aço e ao alumínio importados (leia reportagem aqui). Além disso, as incertezas eleitorais no Brasil tendem a pressionar o câmbio, que pode chegar a R$ 3,75 por dólar. “Teremos os próximos seis meses muito difíceis aqui”, diz Sidnei Nehme, sócio-diretor da corretora NGO. “Mas o dólar só chegará a R$ 4,00 se o Lula for candidato.” Depois de um ano ausente do mercado de câmbio, o Banco Central interveio para acalmar os ânimos (leia reportagem aqui).

Para os empresários que dependem do comércio exterior, antever a tendência do câmbio é mais importante do que tentar advinhar os picos que o dólar pode atingir. Os exportadores, por exemplo, ganham com a alta da moeda americana, mas a volatilidade inviabiliza o fechamento de contratos, segundo José Augusto de Castro, presidente da Associação de Comércio Exterior do Brasil (AEB). Nesse contexto, é impossível estabelecer um câmbio ideal para a economia brasileira. Para a AEB, o dólar dos sonhos teria a cotação entre R$ 3,70 e R$ 3,80, enquanto a Associação Brasileira da Indústria de Máquinas (Abimaq) gostaria de um patamar ainda maior, em torno de R$ 3,90. A Associação Nacional dos Fabricantes de Veículos Automotores (Anfavea), que exporta carros e importa insumos, considera adequada uma banda entre R$ 3,20 e R$ 3,40. Já os importadores de veículos gostariam de um dólar abaixo de R$ 3,00.

O fato é que a recente desvalorização cambial esfriou os ânimos dos importadores, que haviam comemorado, na virada do ano, o fim das restrições impostas pelo programa Inovar-Auto. Desde 2012, foram estabelecidas cotas de importação e uma sobretaxa de 30 pontos percentuais do Imposto sobre Produtos Industrializados (IPI) para os veículos trazidos do exterior. Extinto no fim do ano passado, o Inovar-Auto será substituído em breve pelo Rota 2030. O programa concedia às montadoras instaladas no Brasil incentivos fiscais para investir em Pesquisa e Desenvolvimento (P&D). Porém, com as contas públicas no vermelho, o Ministério da Fazenda vem resistindo à ideia de oferecer novamente descontos no IPI.

“Sem incentivo fiscal, fica difícil convencer a matriz a investir em inovação no Brasil”, afirma Antonio Megale, presidente Anfavea. “Sem P&D, eu temo pelo futuro da tecnologia do etanol, que é uma inovação brasileira.” No fim de abril, empresários do setor estiveram reunidos, em Brasília, com o presidente Michel Temer, que aprovou as linhas gerais do Rota 2030. Porém, os detalhes finais ainda estão sendo elaborados pelos técnicos. Um deles envolve a redução do IPI para carros elétricos importados, decisão que é ansiosamente aguardada, por exemplo, pela chinesa BYD. O anúncio oficial será feito nos próximos dias.