SÃO PAULO (Reuters) -A quarta-feira foi de marcos no mercado de câmbio, com o dólar chegando a operar abaixo de 5 reais pela primeira vez em quase oito meses e fechando perto das mínimas do dia, em meio a um contínuo frisson pela divisa brasileira que tem como pano de fundo a busca de investidores internacionais por ativos considerados baratos e com maior potencial de rentabilidade.

O real liderou mais uma vez os ganhos entre as principais moedas globais, mas pares emergentes próximos, como os pesos mexicano, colombiano e chileno, também tiveram impulso, em parte pelo rali das commodities em curso e pela perspectiva de políticas monetárias mais apertadas nesses países–razões que também se aplicam ao Brasil.

O dólar à vista fechou em baixa de 0,94%, a 5,0033 reais. É o menor valor desde 30 de junho de 2021 (4,9764 reais).

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Em dois momentos do dia –por volta de 11h e 16h (de Brasília)–, o dólar chegou a operar abaixo de 5 reais. Na mínima intradiária, pela tarde, a cotação desceu a 4,9944 reais, queda de 1,12%.

O dólar cai 5,70% em fevereiro e 10,23% no acumulado de 2022, dando ao real o melhor desempenho em ambos os períodos.

Segundo analistas, a taxa de câmbio segue se livrando de parte do prêmio de risco nela embutido, à medida que investidores veem mais valor no real devido ao juro elevado, que aguentaria o “desaforo” de incertezas outras, e à alta das commodities.

O IPCA-15 de fevereiro divulgado mais cedo veio mais alto que o esperado e endossou apostas em uma Selic mais elevada, o que poderia aumentar os já altos retornos de contratos de real, que estão em cerca de 12% na medida de um ano.

A título de comparação, a taxa de um ano para o peso chileno –que também tem sido destaque neste ano por motivos semelhantes ao do real, com alta de 7,7% no período, segundo melhor desempenho global– estava em 7,1%.

“O real é uma das moedas que mais teve descolamento em relação a seus termos de troca, ao seu balanço externo”, disse André Digiacomo, estrategista de juros e moedas para a América Latina do BNP Paribas.

“Sempre acreditamos que essa quebra (de correlação) nunca foi estrutural, mas que seria um movimento defasado. Em algum momento veríamos esse descolamento desaparecer e o real voltar a performar em linha com seu balanço externo… Isso está voltando a acontecer agora”, completou.

E o câmbio ainda teria “gordura para queimar”, considerando a taxa de 4,50 reais vista como de equilíbrio no modelo de longo prazo do BNP Paribas.

A taxa de 4,50 reais é compartilhada pelo Instituto de Finanças Internacionais (IIF, na sigla em inglês), que vê espaço para mais fluxo de investimento estrangeiro direto no país (IDP) e coloca o real ainda como a moeda latino-americana mais desvalorizada.

Dados do Banco Central divulgados mais cedo mostraram que o IDP somou 4,709 bilhões de dólares em janeiro, acima dos 3,478 bilhões de dólares esperados pelo mercado.

Pelos dados da B3, o fluxo líquido do investidor estrangeiro na bolsa está positivo em 24,3 bilhões de reais em fevereiro, elevando o total em 2022 para 56,8 bilhões de reais.

E números para a movimentação do câmbio contratado apontam ingresso líquido de 5,200 bilhões de dólares neste mês até dia 18 –acima dos 4,539 bilhões de dólares do mesmo período do ano passado. No ano, são 6,692 bilhões de dólares em dinheiro novo.

AJUSTE À VISTA?

Porém, com a rápida queda do dólar –a moeda perde 12,42% desde a máxima de 5,7128 reais de 5 de janeiro deste ano–, o real pode agora estar caro, pelo menos de acordo com o modelo de curto prazo do BNP Paribas, que indica taxa de câmbio “justa” de 5,30 reais por dólar.

De acordo com o estrategista do banco francês, se os investidores estrangeiros parecem mais otimistas com a taxa de câmbio, os locais vão na direção contrária e estão se tornando “cada vez mais pessimistas”.

“Há, enquanto isso, um aumento de posições negativas (no real). O risco é assimétrico”, disse Digiacomo, referindo-se à percepção de mais chances de alta do dólar, com a moeda nos patamares atuais, do que de queda.

Pelo menos dois indicadores de análise técnica acenderam o sinal de alerta.

Uma medida de quão rápidos estão os movimentos da taxa de câmbio em relação a suas médias atingiu um nível extremo nesta quarta-feira, voltando a patamares de uma década atrás.

E uma medida da demanda por opções de compra de dólar (“calls”) em relação a opções de venda (“puts”) voltou a subir nesta sessão, aproximando-se de uma máxima desde setembro do ano passado. Na prática, isso mostra maior posicionamento do mercado em prol de uma correção para cima na cotação do dólar.