O anúncio de estímulos monetários na China, que dá novo alento às perspectivas para os preços das commodities, fez com que o real e seus pares emergentes se livrassem da onda global de aversão ao risco detonada por temores de recessão nos EUA. Apesar da alta da moeda norte-americana frente a divisas fortes e do tombo das taxas dos Treasuries, principal sintoma do movimento de “fuga para qualidade”, o dólar se manteve em baixa por aqui. Operadores voltaram a relatar entrada de capital externo para a bolsa doméstica, com investidores em busca ativos ligados a commodities, e desmonte de posições defensivas no mercado futuro.

Afora uma alta pontual na primeira hora de negócios, o dólar trabalhou em baixa firme durante todo o pregão e renovou mínimas no início da tarde, descendo até R$ 4,8540 (-1,28%). Com a piora do sentimento externo, diminuiu parte das perdas e terminou a sessão em queda de 0,87%, a R$ 4,8740 – abaixo de R$ 4,90 desde 25 de abril e no menor nível desde o dia 22. A divisa encerra a semana com perdas 3,63% e passa a acumular desvalorização de 1,39% em maio. No ano, a baixa é de 12,59%.

O mercado já abriu assimilando a decisão, na quinta à noite (horário de Brasília), do Banco do Povo da China (PBoC, o BC chinês) de cortar a taxa de referencia para empréstimos de longo prazo de 4,60% para 4,45%. Já a taxa de empréstimos de um ano permaneceu em 3,70%. Autoridades chinesas tentam evitar a desaceleração da economia e um tombo agudo do setor imobiliário, em meio a restrições impostas pela política de ‘covid zero’. Em Cingapura, o minério de ferro com entrega para junho fechou em alta de 5,96%, a US$ 134,05 a tonelada.

“Ao contrário dos Bancos Centrais do mundo, que vem subindo taxa de juros, a China cortou suas taxas para dar mais força à economia. Isso gera expectativa de aumento de consumo de commodities e traz um clima mais positivo para o Brasil, hoje mais sensível a mudanças na China do que no mercado americano”, afirma o economista-chefe da Frente Corretora, Fabrizio Velloni.

No exterior, após a correção de baixa na quinta com reação do euro, o índice DXY – que mede o desempenho do dólar frente a uma cesta de seis divisas fortes – operou em alta firme durante o dia e voltou a superar os 103,000 pontos, atingindo 103,237 pontos na máxima. A taxa da T-note de 10 anos, principal ativo do mundo, rompeu o piso de 2,80%, em meio à forte demanda por títulos americanos.

Analistas afirmam que ainda há muitas dúvidas sobre a extensão do aperto das condições financeiras nos EUA e suas consequências para a atividade econômica, o que deixa os investidores na defensiva. Além da alta de juros nos EUA e da redução do balanço patrimonial do Federal Reserve, que significa retirada de liquidez do sistema, há a sensação de diminuição de riqueza provocada pela queda das Bolsas americanas. Isso tudo joga uma sombra sobre a capacidade de consumo nos EUA, apesar do mercado de trabalho apertado.

O presidente do Federal Reserve de St. Louis, James Bullard, tido com um dos falcões do BC americano, afirmou nesta sexta que considera adequado manter o ritmo atual de aumento da taxa de juros em 50 pontos-base por reunião de política monetária da instituição.

Segundo Bullard, a taxa básica, hoje na faixa entre 0,75% e 1%, deveria subir para 3,5% até o fim do ano. Mesmo com o aperto monetário, o dirigente não vê recessão nos Estados Unidos neste ano ou em 2023 e prevê que a taxa de desemprego possa ficar até abaixo de 3%. Mais: Bullard afirmou que, caso a inflação seja controlada, será possível cortar os juros no ano que vem ou em 2024.

O especialista Nicolas Farto, da Renova Invest, classifica a baixa do dólar nesta sexta em relação ao real e a outras divisas emergentes como um movimento pontual ancorado nos estímulos monetários na China. “Mas as flexibilizações das políticas sanitárias chinesas ainda não são tem intensas. Isso pode acabar se refletindo nos próximos dias”, diz Farto, ressaltando que, com a perspectiva de alta de juros nos EUA, a tendência é de fortalecimento global da moeda americana. “Esse movimento de valorização do dólar pode ser menos amplo no Brasil, porque somos exportadores de commodities e isso atrai investidores. Mas o viés ainda é de alta”, afirma.

Na mesma linha, Velloni, da Frente Corretora, ainda vê o dólar para cima até o fim deste ano. Além da alta de juros nos EUA, há a incerteza provocada pelas eleições presidenciais, sobretudo em relação à política fiscal. “Os gastos públicos ainda são uma grande incógnita. Pode ser que o dólar não chegue ao patamar de R$ 5,20, mas a tendência ainda é de alta em relação ao patamar de hoje”, diz o economista.