A disparada do dólar, que já acumula no ano valorização superior a 45% ante o real, aumentou em R$ 907 bilhões o total que bancos e empresas brasileiras terão de desembolsar para fazer frente a dívidas no exterior. Ainda que o volume de novos empréstimos em moeda estrangeira tenha crescido pouco no período, a variação cambial elevou a quantidade nominal de reais para saldar os mesmos compromissos. Segundo o Banco Central, a dívida total em dólar das empresas no Brasil está em US$ 482 bilhões – o equivalente hoje a R$ 2,846 trilhões, ante R$ 1,939 trilhão em janeiro.

Segundo o BC, a situação é complicada para cerca de 20% das empresas brasileiras que não contam com instrumentos de proteção à variação de câmbio, chamado de hedge cambial pelo mercado, o que deixaria esses empreendimentos totalmente vulneráveis às flutuações do dólar. Esse dado sobre o hedge é de 2018, mas para Carlos Antonio Rocca, coordenador do Centro de Estudos de Mercado de Capitais da Fipe (Cemec-Fipe), essas empresas não aumentaram de maneira expressiva o investimento em instrumentos de proteção desde então. “Esses negócios estão à mercê do dólar”, diz.

Dados da própria Fipe indicam que, em média, as grandes empresas brasileiras – com capital aberto e fechado – estão, neste momento, com 57,7% de sua dívida total em moedas estrangeiras, um aumento superior a 10 pontos porcentuais do início do ano para cá. “Esse aumento acontece porque o dólar subiu e desequilibrou a proporção, que antes era minoritária”, afirma Rocca.

Luz amarela

Analistas do mercado financeiro observam com atenção o cenário. Segundo eles, apesar das grandes empresas hoje protegerem uma parte da dívida com ferramentas disponíveis no mercado, ainda há aquelas muito expostas. “Empresas do setor aéreo, algumas importadoras e varejistas ainda investem pouco em hedge”, diz um operador de mesa de câmbio que pede para não se identificar.

Um exemplo é o da Azul Linhas Aéreas. A empresa tem uma dívida bruta de R$ 20 bilhões, mas, desse montante, R$ 14 bilhões são referentes ao arrendamento das aeronaves, portanto em dólar. Em seu último balanço, a empresa afirma que faz hedge apenas dos custos com combustível, adquirido em moeda estrangeira. Deixa com isso 70% de sua dívida flutuando ao sabor dos humores cambiais.

Procurada, a Azul informa em nota que, para minimizar a alta do dólar, negociou uma postergação do pagamento dos arrendamentos das aeronaves, mas não informou os novos prazos. “Nesse cenário, usamos um hedge natural, que é basicamente aumentar o preço das passagens para compensar a pressão nos custos por causa da variação cambial”, afirma, por meio de assessoria de imprensa.

Outras empresas, além da Azul, também têm boa parte de sua dívida em dólar. Mas, por serem exportadoras, recebem em dólar e, por isso, não se preocupam com a aquisição de produtos financeiros que travem a cotação da moeda. É o caso da Suzano, que produz papel e celulose. As variações cambial e monetária afetaram negativamente o resultado financeiro da Suzano em R$ 12,420 bilhões no primeiro trimestre de 2020, mas isso tende a ser relativizado pelo investidor. Em torno de 94% da dívida bruta da empresa é calculada em dólar. Ao mesmo tempo, 83% da sua receita líquida no período foi gerada no mercado externo.

Fechamento

O clima político voltou a pesar ontem no mercado financeiro, depois do pedido de exoneração do agora ex-ministro da Saúde Nelson Teich. O dólar fechou o dia cotado a R$ 5,8390, uma alta de 0,34%, enquanto a Bolsa de Valores de São Paulo (B3) recuou 1,84%, a 77.556 pontos. Desde o começo de 2020, o dólar já subiu 45% frente ao real; só no mês, o ganho chega a 7,36%. O real mantém o pior desempenho em relação ao dólar numa cesta com outras moedas de países emergentes. As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.