Nas últimas semanas, a polêmica da salvaguarda voltou ao noticiário que trata do mercado de vinhos no País. Como já haviam feito anos atrás, produtores nacionais, por meio das entidades que os representam, encaminharam ao governo federal um documento pedindo uma política tributária que os proteja da concorrência com os importados. Confesso ter ficado surpreso com a iniciativa, até em função do momento. O consumo de vinho está aquecido desde o início da pandemia e não é diferente com as vendas das vinícolas brasileiras. Com o dólar acima de R$ 5, o produto importado aumentou de preço, tornando o nacional naturalmente mais competitivo. Até por isso, voltar a um tema que já desgastou a imagem de quem produz vinho no País pode parecer um segundo tiro no pé.

Só que a questão é mais complexa do que parece – e a carga tributária que incide sobre essa cadeia produtiva precisa ser revista para tornar a atividade sustentável do ponto de vista econômico. Com impostos adequados, o consumidor brasileiro provavelmente seria mais estimulado a provar – e aprovar – os ótimos vinhos que são feitos por aqui. Para comprovar que o adjetivo não é exagerado, escolhi dois rótulos para comentar aqui.

O primeiro é o Aurora Millésime Cabernet Sauvignon 2017, ícone da cooperativa gaúcha elaborado apenas em safras especiais. Em 89 anos de história da vinícola, essa é a décima edição. Em enologia, a palavra francesa “millésime” pode ser traduzida como o melhor vinho da melhor safra – e que provém obrigatoriamente de uvas colhidas no ano mencionado no rótulo. “Escolhemos as uvas das melhores parcelas de vinhedos dos nossos associados, vinificamos e fazemos uma verificação muito controlada no processo de evolução em tanque e em barrica”, diz Flavio Zilio, enólogo-chefe da Aurora. A safra 2017 ficou 18 meses em barricas de carvalho americano, período suficiente para aveludar os taninos bem presentes dessa casta. Com edição limitada de 24 mil garrafas numeradas, o vinho chega ao consumidor pelo preço médio de R$ 110. Para harmonizar, o enólogo sugere carnes vermelhas, massas com molho de queijo e risotos.

O segundo rótulo nacional que merece ser chamado de ótimo também é elaborado somente em colheitas excepcionais: o Storia Merlot 2015, da Casa Valduga. Para esta safra, foram 20 meses em barricas de carvalho francês. Como o envase ocorreu em agosto de 2017, ele já está há quase três anos envelhecendo em garrafa. Edições anteriores do Storia garantiram prêmios de alto quilate: ele já foi eleito o melhor merlot do mundo pela revista Wine Report, além de melhor tinto do Brasil pela revista Adega. Não é pouco. A Casa Valduga anunciou para o dia 10 de julho o início da pré-venda em seu e-commerce. O preço ainda não foi divulgado. Ele seguramente custaria menos caso os impostos não massacrassem o produtor.