Em janeiro de 1960, o saxofonista americano John Coltrane lançava o icônico álbum Giant Steps, considerado até hoje pela crítica especializada um dos mais inovadores da história do jazz. O trabalho do talentoso músico, que morreu vitimado pelo câncer precocemente aos 40 anos, apenas sete anos após o lançamento do disco, serviu de inspiração para os sócios da gestora Visia Investimentos. Em junho, eles decidiram rebatizá-la com o mesmo nome do LP. O trabalho de Coltrane era tão complexo que os colegas de banda tinham dificuldade em acompanhá-lo, algo parecido com a situação atual do mercado, em que a capacidade de processamento de dados das máquinas é infinitamente superior às dos humanos. Sem a genialidade de um Coltrane, a saída é recorrer à inteligência artificial.

“Quando criamos a gestora em 2012, o nome Visia remetia a algo visionário e futurista”, afirma Rodrigo Terni, sócio-fundador da asset. “Só que aquele futuro que imaginávamos há sete anos já chegou. Por isso, precisamos ser criativos, com idéias fora do lugar comum para se destacar em um mercado extremamente competitivo”, diz ele. Com uma carteira de R$ 1,3 bilhão, a Giant Steps Capital é a maior asset da América Latina com o foco exclusivo em fundos quantitativos. Esses produtos são conhecidos pelos softwares desenvolvidos com base em inteligência artificial e big data e substituem os operadores de mercado. Seu diferencial é mitigar o risco do viés emocional do ser humano em momentos extremos do mercado.

Ao falar sobre os fundos da casa, Terni diz que é uma reação comum das pessoas imaginarem um espaço repleto de máquinas trabalhando a mil por hora. Não é totalmente falso, mas está distante da verdade. “O ser humano é crucial no negócio”, afirma ele. Terni e sua equipe traçam as hipóteses e as estratégias no mercado, que balizam a posterior atuação cibernética para maximizar a eficiência operacional.

No fim do primeiro semestre, após ter alcançado a marca do primeiro bilhão sob gestão, a asset reforçou a equipe com profissionais experientes. Chegaram à casa Christian Zimmer e Glauber Guarinello, que atuavam nos times de gestão quantitativa da Itaú Asset e do Santander, respectivamente. “As máquinas nos ajudam a fazer a análise de uma quantidade gigantesca de dados de uma maneira muito rápida, o que deixa nossos gestores livres para focarem apenas nas melhores estratégias”, diz Terni. “E mesmo nas ordens de compra e venda também nos beneficiamos com a velocidade dos robôs”.

NOVOS TEMPOS Segundo o executivo, a melhor definição para os produtos da casa não é mais a de fundo quantitativo, uma vez que hoje em dia praticamente todo o mercado, em maior ou menor medida, já faz uso da tecnologia na gestão dos ativos. Ele prefere comparar os fundos da Giant Steps com qualquer outro tipo de multimercado [veja o quadro]. “Mesmo porque quem não usar nada de tecnologia na gestão ficará para trás”.

A parceria fechada em junho com a gestora americana Aperture Investors, controlada pelo grupo italiano Generali, reflete bem o espírito do negócio. A empresa estrangeira vai se valer da estrutura tecnológica criada pela Giant Steps para incorporar as estatísticas à sua análise. “A Aperture é uma gestora fundamentalista, mas percebeu a importância de agregar a tecnologia ao seu trabalho”. Terni está em negociações com assets brasileiras para fechar parcerias similares.

Giant Steps de John Coltrane: complexidade do trabalho do saxofonista tornava quase impossível aos colegas de banda acompanhar seu ritmo, situação parecida com a do mercado hoje em que a capacidade de processamento das máquinas é infinitamente superior às dos humanos (Crédito:Divulgação)

EMOÇÕES A Giant Steps têm duas estratégias para operar no mercado – a Zaratustra, em homenagem ao profeta da obra de Friedrich Nietzsche e a Sigma, em referência à letra do alfabeto grego utilizada pelo mercado para definir risco. A gestora irá lançar até o fim do ano um fundo de previdência, combinando as duas estratégias.

A Zaratustra é programada para tirar proveito das distorções do mercado e ganha dinheiro ao explorar a irracionalidade que costuma tomar conta dos investidores em momentos de depressão ou de euforia. “Esse fundo costuma passar algum tempo de lado, de repente tem uma movimentação brusca ao identificar uma oportunidade e depois volta à estabilidade”. Já a Sigma foi pensada para navegar melhor quando os mercados estão mais próximos da normalidade.

A exposição majoritária da Zaratustra está atualmente no mercado local de juros, moedas e ações, enquanto a Sigma está mais voltada aos ativos globais. A distribuição do portfólio é um indicativo de que há uma dose de irracionalidade entre os investidores brasileiros, diz Terni. “Os movimentos no mercado estão sendo muito bruscos a cada informação que sai, mesmo que em muitos casos ela nem se confirme”, afirma o sócio da Giant Steps. “Esse é um claro indicativo de irracionalidade no mercado”. Os robôs agradecem.