Coloque uma criança na frente de uma mesa de brigadeiros e diga-lhe que ela só poderá devorá-los depois que todo mundo cantar os parabéns. É inevitável: a luz se apaga durante a cantoria, e, quando a iluminação volta, os buracos na bandeja denunciam que os pequenos convivas cometeram delitos comestíveis. Nos dias atuais, o consumidor no Brasil tem vivido um certo fascínio pela aquisição de bens, parecido com a fissura da meninada nas festas de aniversário. Assim como os pimpolhos sabem que as festinhas são raras oportunidades para se deleitar com os brigadeiros, o brasileiro corre para assegurar a compra de eletrodomésticos, carros e imóveis antes que a boa fase termine.

 

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Enquanto o americano entrou no vermelho para adquirir sua segunda ou terceira casa,

o brasileiro faz dívidas para atender às necessidades básicas.

 

Uma pesquisa da Federação do Comércio do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP) mostrou que o endividamento foi recorde, em abril, na capital paulista, alcançando 22% da população, porque os consumidores acharam que o pagamento dos impostos anuais, da prestação dos eletrodomésticos e dos imóveis caberia no bolso, tudo ao mesmo tempo. No primeiro trimestre deste ano, por exemplo, São Paulo registrou uma alta de 27% das vendas de imóveis, em comparação com o mesmo período de 2011. Mas deu no que deu. O endividamento foi às alturas e agora, como todos os brasileiros, os paulistanos esperam quitar débitos antes de encarar novas compras. 

 

Embora os inadimplentes sejam um tanto demonizados por aumentar a cautela do setor financeiro, que penaliza tanto justos quanto pecadores, o País ainda está dentro de um processo natural de adaptação a uma nova realidade econômica. “É como a cobra engolindo o boi”, diz o economista Luís Eduardo Assis, ex-diretor do Banco Central. “É preciso esperar a digestão para a fome voltar.” Com o aumento significativo da oferta de crédito nos últimos anos, não poderia ser diferente. Vale lembrar que o brasileiro está assumindo financiamentos para atender às necessidades básicas, aproveitando o dinheiro um pouco mais barato. 

 

Bem diferente do consumidor americano, por exemplo, que entrou no vermelho comprometendo não só sua renda como a de gerações futuras para comprar sua segunda, terceira ou quarta casa, antes do estouro da crise, em 2008. A comparação entre o endividamento no Brasil e nos Estados Unidos, por sinal, tem sido recorrente na mídia, nas últimas semanas. Economistas mostram que a família brasileira tem 22% da sua renda comprometida com dívidas, enquanto a família americana tem 17%. Essa comparação é válida até um certo ponto. É importante como alerta para não perdermos o controle. Mas é impossível comparar mundos tão diferentes, uma vez que os americanos têm uma renda per capita de US$ 48,5 mil, e os brasileiros, de US$ 13 mil. 

 

Lá, o crédito representa quase duas vezes o PIB, ou seja, o americano administra financiamentos desde sempre. Aqui, o crédito equivale a 49,5% do PIB, mas há sete anos essa proporção era de apenas 26,3%. Além disso, a legislação nos Estados Unidos sempre protege o comprador, ao contrário da brasileira, que resguarda o credor. E o Brasil ainda se beneficia do emprego e renda em alta, o que reduz ainda mais o espaço para comparações neste momento em que a terra do Tio Sam passa por apertos. A mesma pesquisa da Fecomercio, por exemplo, perguntou aos paulistanos se teriam condições de pagar suas contas pendentes: 3,9% das famílias admitiram que não. Em abril do ano passado, esse número chegava a 5,1%.