A Igreja já se ocupou de queimar bruxas em fogueiras, condenou Galileu Galilei por dizer que a Terra girava em torno do Sol e chegou a confiscar propriedades em nome da fé. O herege da vez está escolhido. É a dívida externa. Na semana passada, a partir de uma orientação dada pelo papa João Paulo II, segundo a qual os países pobres devem ter suas dívidas perdoadas pelos países ricos, religiosos brasileiros fizeram sua própria leitura. Eles saíram dos templos, foram às ruas e montaram um plebiscito. Cinqüenta mil urnas de votação foram espalhadas nos 27 estados do País. Cem mil voluntários, segundo a Confederação Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), trabalharam na campanha, encerrada na quinta-feira, 7. Embora a apuração só comece na segunda-feira, 11, dados da Secretaria Executiva do Plebiscito indicam que 80% dos mais de um milhão de votos serão para a interrupção do pagamento da dívida.

 

Com base no Levítico (versículo 25), que diz que os ?cristãos deverão fazer-se voz de todos os pobres do mundo?, os religiosos são enfáticos na defesa do ?não?. ?O problema não é honrar ou não compromissos. A questão é que não podemos fazer reforma agrária, atender à saúde e à educação por causa da dívida?, afirma d. Demétrio Valentini, bispo de Jales, no interior de São Paulo. Dentro da CNBB, porém, há vozes estridentes contra o envolvimento da Igreja em questões econômicas. ?A Igreja não é perita em economia; 90% do clero não entende nem de micro, que dirá de macro?, afirma d. Amaury Castanho, bispo de Jundiaí. Dom Eugênio Salles, cardel do Rio, concorda: ?Política não compete à Igreja.?

Polêmico, o movimento repercutiu no Planalto. O ministro da Fazenda, Pedro Malan, foi o primeiro a sair ao ataque. ?É um besteirol?, disse. ?A moratória não melhora as condições sociais do País.? Hoje a dívida externa brasileira esta na casa dos US$ 363 bilhões ? 25% dos quais são dívida privada ? e vai custar este ano US$ 98 bilhões em amortizações. Encerrada a votação, as perguntas do plebiscito poderão tomar forma de referendo, que tem valor legal. O projeto que o convoca, de autoria do deputado José Dirceu (PT), tem 157 assinaturas. Precisa de 171 para passar pelo Congresso Nacional.