O ano de 2022 vai consolidar um processo iniciado em 2021: o fim da migração das criptomoedas. Antes restritas aos aficionados por tecnologia e a um punhado de investidores, essas moedas virtuais desembarcaram com toda a força na economia “tradicional”. Isso é confirmado por iniciativas como a de El Salvador, que adotou o Bitcoin como sua moeda oficial em setembro. Devastado pela pobreza e por uma guerra civil que se arrastou por quase toda a década de 1990, o país já não tinha uma moeda própria. Os cidadãos usavam o dólar para as transações. O processo continua. Na terça-feira (4), o ministro das finanças do país, Alejandro Zelaya, informou que o governo pretende captar US$ 1 bilhão em títulos públicos lastreados na criptomoeda. Cerca de metade dos recursos será usada para criar uma infraestrutura destinada à mineração dos Bitcoins.

As criptomoedas também serviram para transações imobiliárias inovadoras. No fim de novembro, a empresa de tecnologia americana Tokens.com pagou o equivalente a US$ 2,4 milhões em criptomoedas para comprar um terreno. A novidade é que, assim como as moedas, o terreno também é virtual: um lote no metaverso. Mais especificamente no Decentraland, universo paralelo que reproduz diversos aspectos da vida real e permite a interação entre as pessoas por meio de avatares.

Quer mais exemplos? Temos. Todos os anos, a editora escocesa HarperCollins, que publica um dos dicionários mais conceituados da língua inglesa, escolhe a “palavra do ano”. A de 2021 foi uma sigla: NFT, abreviação de “non-fungible token”, ou token não fungível. Por meio da tecnologia subjacente às criptomoedas é possível individualizar ativos digitais, conferindo a eles valor de itens colecionáveis. Os primeiros NFTs surgiram em março do ano passado. No fim do ano, o valor de mercado se aproximava de US$ 17 bilhões. “O metaverso e os NFTs já são uma realidade, crescerão cada vez mais e quem não se adaptar será esquecido”, disse o principal executivo da exchange Brasil Bitcoin, Marco Castellari.

A adoção por El Salvador, a compra de lotes no metaverso e a expansão dos NFT podem parecer meras curiosidades ou indicações de que esse mercado entrou em uma fase de frenesi especulativo. No entanto, mais e mais dessas transações vêm sendo realizadas por empresas da economia “tradicional”. Depois da primeira transação outros terrenos foram negociados e um dos compradores foi a sólida empresa de consultoria PwC.

Da mesma forma, ninguém pensa em frenesi quando observa as sisudas autoridades monetárias chinesas. E mesmo assim, o Banco do Povo da China (BPC), o Banco Central chinês, prossegue com sua intenção de criar um yuan digital. A criptomoeda estatal destina-se a facilitar a intermediação do mercado financeiro do país asiático, muito mais fechado que os demais setores de sua economia. E a bandeira de cartões de crédito Visa anunciou, em outubro, o lançamento de uma tecnologia para organizar e aumentar a liquidez desse mercado, garantindo a interoperabilidade entre as criptomoedas. Ou, em português, processando transações com diferentes moedas virtuais. Outras iniciativas tão relevantes quanto essas devem surgir nos próximos meses. No apagar das luzes do ano passado, o Banco Central (BC) anunciou que começará neste ano os testes do real digital, para lançamento em 2023. No Brasil, os investidores já podem comprar criptomoedas por meio de três Exchange Traded Funds (ETF) listados na B3.

Isso se refletiu nos preços. Apesar de ter encerrado 2021 a US$ 47 mil, abaixo do pico de US$ 69 mil registrado em outubro, o Bitcoin valorizou-se 46% em dólares no ano passado. As cotações recuaram para US$ 43 mil no início de 2022, principalmente devido à perspectiva de aperto na política monetária americana, mas a perspectiva é que os preços se recuperem e que outros ativos ganhem representatividade. “Esse movimento é inexorável, o que deverá sustentar uma trajetória secular de valorização das criptomoedas”, disse a especialista em criptoativos da Levante Ideias de Investimentos, Fernanda Guardian.