A imagem de uma internet acessada apenas por hackers ficou no passado. Hoje, tanto empresas consolidam-se como monopólios digitais e tecnológicos quanto robôs colocam em questão o potencial democratizante da rede. Mesmo com essas tensões, a rede ainda é um espaço privilegiado para a expressão de grupos que, em geral, não encontram espaço nas mídias tradicionais.

A mobilização online cresceu em meados dos anos 2000, acompanhando o desenvolvimento de ferramentas de interação e colaboração. Por volta de 2011, as redes sociais chegaram a ser consideradas o combustível para as revoluções no mundo árabe. No Brasil, muitos dos protestos que formaram as chamadas jornadas de junho, em 2013, foram convocadas a partir da rede. No livro A Internet e a Rua – coberativismo e mobilização nas redes sociais, os pesquisadores Henrique Antoun e Fábio Malini discutem aquele contexto e concluem que rua e rede se interpenetram e fazem emergir uma política colaborativa, direta e em tempo real.

A expansão dos smartphones abriu espaço para outras práticas. Diferentes aplicativos têm sido utilizados para facilitar a participação cidadã na definição das políticas. Um dos mais baixados é o Colab, que possibilita a quem fizer o download gratuito do app possa fiscalizar, propor ações ou avaliar políticas desenvolvidas na sua cidade. Atualmente, 40 prefeituras têm parcerias com a empresa. Por meio dela, as administrações recebem e respondem questionamentos de usuários.

Já a plataforma Mudamos é uma ferramenta para assinatura de projetos de lei de iniciativa popular. Desenvolvido pelo Instituto Tecnologia e Sociedade do Rio (ITS Rio), o projeto inclui iniciativas de interação entre as dinâmicas online e offline, como a realização de “viradas legislativas” para mobilizar a sociedade e construir projetos de forma colaborativa. O coordenador da área de Democracia e Tecnologia do ITS Rio, Marco Konopacki, conta que a meta é fazer com que a população tenha, de fato, autoria na apresentação de projetos de lei.

Nas eleições

Na arena eleitoral, a campanha de Barack Obama à Presidência dos Estados Unidos foi um marco no uso de tecnologias visando ao engajamento de eleitores. Também no Brasil, o papel das tecnologias tem crescido a cada eleição. Travestis, mulheres e homens transexuais, por exemplo, utilizaram a rede para mapear e divulgar candidaturas de pessoas trans, por meio da campanha Vote Trans, em 2016. As redes também se tornaram espaços para discutir a viabilidade das propostas dos candidatos e até para arrecadar recursos.

No pleito de 2018, esse impacto deverá ser ainda mais intenso. “O que a gente mais quer dentro desse processo é garantir eleições justas com o uso da tecnologia”, aponta Marco Konopacki. Para ele, a tecnologia pode desempenhar um papel positivo. Ele cita como exemplo o uso de bots, os robôs, como assistentes de candidatos que podem ajudar a esclarecer plataforma eleitoral, em conversas diretas com os eleitores. Para que esse tipo de uso seja diferenciado dos que podem gerar desequilíbrios nas eleições, o IST Rio tem trabalhado no desenvolvimento de mecanismos e ferramentas voltadas à garantia de transparência ao uso das tecnologias.

Mobilização e polarização

Entusiasta do uso da rede para a mobilização social, o coordenador do Laboratório de Estudos sobre Imagem e Cibercultura da Ufes (Labic) da Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Fábio Malini, pondera que as mudanças na dinâmica da internet – com a concentração da atenção das pessoas por plataformas de redes sociais produzidas por grandes corporações – podem ocasionar uma redução da mobilização espontânea verificada em outros processos eleitorais.

“A gente tem poucas empresas que concentram muito das diferentes atividades que subjazem o uso da internet. Isso tem um impacto pois confirma um modelo de uso da internet baseado em uma regulação algorítmica da atenção. Os conteúdos que as pessoas leem, a maneira que elas conversam ou como elas se relacionam são, cada vez mais, mediados por algoritmos que têm uma série de princípios”, explica.

O pesquisador lista entre esses princípios o da proximidade e o da crença. No caso do primeiro, ele estimula que as pessoas conversam com outras mais próximas. Já o da crença está associado à relevância dada ao que já se conhece e ao que é comum nas próprias conversas. “Isso tende a fazer com que as suas crenças pessoais sejam mais reproduzidas do que um pensamento contraditório”, detalha. Tudo isso se reflete na formação das chamadas bolhas ideológicas.

Para ele, a polarização visível no Brasil e em diversos outros países têm relação com a tecnologia. “Um tipo de polarização é um efeito concreto desse modelo algorítmico que regula a vida, porque como as pessoas curtem as coisas que elas creem e o que aparece nas páginas delas, com frequência, são conteúdos que derivam dessa crença. A tendência é que as visões ideológicas sejam sedimentadas e as pessoas com determinado princípio ideológico repliquem, com mais intensidade, as suas crenças”, afirma.

Por outro lado, essa lógica tem fortalecido a integração de grupos que usam a rede para promover conteúdos, como é o caso de diversos movimentos e mulheres que atuam em defesa de direitos na rede. Diante disso, o pesquisador projeta que as eleições de 2018 serão marcadas por esse cenário de polarização dos discursos e também pela tematização de agendas defendidas por grupos sociais que conseguirem marcar presença na rede. Integrante do grupo Blogueiras Negras, que desde 2012 publica textos de autoras negras de todo o Brasil, Larissa Santiago destaca a importância da rede. “A internet é o território onde atuamos. Foi e é por causa da internet que alcançamos mulheres e meninas negras que, temos certeza, jamais alcançaríamos.”

Financiamento coletivo

As mudanças que devem ser percebidas em 2018 também decorrem da nova legislação eleitoral, que trouxe novidades como a possibilidade de impulsionamento de publicações por meio de pagamento e de financiamento coletivo (crowdfunding), uma forma de “vaquinha” online, para arrecadar recursos. Plataformas desse tipo têm sido utilizadas para financiar muitos projetos da sociedade civil, como campanhas temáticos e veículos alternativos de comunicação.

“O interessante da arrecadação é que ela possibilita também certa nacionalização. A gente vai ter muitos políticos que vão se candidatar também falando de uma perspectiva nacional, porque ele tende a atrair pessoas que estão em tudo que é lugar do mundo para depositar confiança a essa proposta, através do dinheiro”, ressalta Malini.

Com a proibição de doação de empresas, o chamado para as doações deverá ser voltado às pessoas físicas. A situação é nova para a Justiça Eleitoral e, de acordo com o presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE), Gilmar Mendes, é uma “questão muito sensível”. Segundo ele, na eleição municipal de 2016, foram declarados 730 mil doadores, dos quais 300 mil tiveram problemas com a prestação de contas.

“Nós temos que estar atentos ao que vai ocorrer numa disputa nacional”, disse. O ministro alerta que esse tipo de questão está posta desde já, pois muitos futuros candidatos já estão se posicionando nas ruas e nas redes.