Quem nunca pegou uma vassoura para imaginariamente transformá-la em uma guitarra e começou a imitar seus ídolos da música, com caras e bocas, cantando suas letras favoritas? Uma diversão que ficou na memória de quem tem acima de 30 anos, na chamada Geração Y. Atualmente, para a Geração Z (entre 10 e 25 anos), esse mesmo passatempo é gravado na câmera do celular, potencializado com recursos tecnológicos e colocado em redes sociais. Será visto e comentado por milhões de pessoas ao redor do mundo. A brincadeira ficou séria e virou negócio. Principalmente com o surgimento do TikTok, aplicativo chinês de edição, publicação e compartilhamento de vídeos de até 15 segundos, com dublagem de músicas, esquetes de comédia, memes e desafios.

O app da rede criada em 2016 bateu a marca de 2 bilhões de downloads em todo o mundo. Uma diversão que assusta gigantes como Facebook, dona do Instagram e do WhatsApp, e Google/Alphabet, proprietária do Youtube, líderes do mercado de entretenimento na internet. “Sempre há algo novo e surpreendente que encanta os usuários”, afirma Rodrigo Barbosa, community manager do TikTok no Brasil. “Nossa plataforma oferece muitas oportunidades de negócios interessantes, tanto para marcas, como criadores.”

Ao analisar os números globais do TikTok é que se tem a noção de por que o aplicativo tem tirado o sono de Mark Zuckerberg e Sundar Pichai. Em 2019, foi o segundo mais baixado do planeta, com 738 milhões de downloads, segundo a consultoria Sensor Tower, atrás apenas do WhatsApp. No primeiro trimestre deste ano, já com o isolamento causado pela pandemia de Covid-19, foi instalado 315 milhões de vezes em smartphones, recorde para um período de 90 dias em todos os tempos, de todos os aplicativos. Dos 2 bilhões de downloads totais, quase metade é de usuários ativos, sendo 40% de jovens entre 16 e 24 anos. O que deixa o TikTok como quarta rede social mais usada, atrás de Facebook (2,2 bilhões), YouTube (1,9 bilhão) e Instagram (1 bilhão), segundo relatório da We Are Social.

Se os líderes das colossais americanas estão com dificuldades para dormir por martelar o TikTok em suas cabeças, Zhang Yiming é só alegria. Aos 37 anos, o fundador e diretor-executivo da ByteDance, um conglomerado de tecnologia que inclui o TikTok, comemora o crescimento meteórico. A companhia terminou o ano passado com valor de US$ 75 bilhões e recentemente, com transações privadas de ações, ultrapassou US$ 100 bilhões, de acordo com informações divulgadas pela agência Bloomberg. O faturamento anual estaria em torno de US$ 2,5 bilhões.

A insônia provocada pela ascensão do aplicativo chinês faz os concorrentes trabalharem para não ficar para trás. O YouTube promove testes de um recurso similar, o Shorts, que segue a mesma temática, de criar e editar vídeos de curta duração. E o Instagram lançou a função Cenas (Reels) para também criar vídeos curtos com músicas e postá-los diretamente nos Stories.

DE OLHO NO BRASIL Já a estratégia do TikTok é, por enquanto, de preocupação mais geográfica. Com grande penetração nos principais países do Oriente, como China e Índia, e evolução gradual nos Estados Unidos (onde passou por polêmica após suspeita, não confirmada, de vazamento de dados de usuários ao governo chinês), os olhos do aplicativo estão voltados para a América do Sul, principalmente o Brasil, onde seus competidores têm presença consolidada. A cobiça pelo mercado nacional, onde a empresa instalou escritório em 2018, ocorre por diversos fatores: tamanho, estrutura econômica e empresarial, potencial de consumo e a própria característica do internauta, que passa 3h45 minutos, em média, por dia, conectado em redes sociais, segundo pesquisa da GlobalWebIndex. O País é vice-campeão nesse quesito, perdendo apenas para as Filipinas, onde os usuários passam 4h01 nesses canais. “Existe um enorme potencial para o TikTok permitir que mais usuários no Brasil e na América Latina mostrem seus talentos a um público novo e global”, afirma Barbosa.

E, para escalar esse mercado, o app tem usado os rivais. Primeiro ao contratar fenômenos de popularidade de outras plataformas, como o comediante e youtuber Whindersson Nunes e o ator e apresentador Fábio Porchat, para estrelarem suas campanhas. Segundo porque os vídeos produzidos, editados e publicados no TikTok são divulgados pelos usuários também por meio do WhatsApp, Facebook e Instagram, onde viralizam com um selo do logotipo do aplicativo chinês. Ou seja, os concorrentes fazem propaganda gratuita para ele. Outro diferencial da rede social asiática é o algoritmo usado para distribuir os conteúdos. Não há possibilidade de impulsionar as postagens de forma paga para obter melhores resultados, pois a empresa ainda não está interessada nessa forma de monetização. “A disputa neste momento é pelo tempo do usuário”, diz Isabela Ventura, CEO da Squid, especializada em marketing de influência. No primeiro trimestre deste ano, comparado com o último trimestre de 2019, a Squid registrou aumento de 600% nas propostas comerciais que envolvem campanhas no TikTok para as marcas.

REAÇÃO O Instagram, do mesmo grupo do Facebook, de Mark Zuckerberg, lançou a função Cenas (Reels), similar ao TikTok. Sucesso do app chinês tira o sono de gigantes da internet. (Crédito:Drew Angerer)

CURADORIA Marcas como Havaianas e Guaraná Antarctica estão entre as primeiras a promover ações publicitárias em parceria com o aplicativo no Brasil, no intuito de se aproximar do público jovem. A marca de refrigerantes usou curadoria do TikTok para buscar criadores para produzir conteúdos adequados à plataforma. Foram feitas 27 latinhas temáticas e um QR Code, que redirecionava para o perfil de Guaraná Antarctica no app. Pelo mundo, projetos conjuntos envolvem grifes como Calvin Klein e Sephora, além de corporações esportivas como a NFL (do futebol americano) e a La Liga (campeonato espanhol de futebol.

Ainda em solo tupiniquim, o TikTok mostra-se plural e democrático, tornando anônimos em famosos rapidamente. O fotógrafo e designer Vincynite, de 24 anos, foi o primeiro a ter um vídeo viral na rede. Em uma música autoral – conhecida como “Me diz seu nome” –, ele convoca os usuários a responder perguntas, como nome, idade, altura, cidade onde mora, roupa preferida. Outros tiktokers completam essas informações em seu próprio vídeo, com uma edição fácil, disponível no app, imitando a coreografia de Vincy. Entre os 600 mil perfis que participaram do desafio estão celebridades como Mariana Ruy Barbosa. Ao todo, são 10 milhões de views da criação, o que fez Vincy torna-se popular e ter hoje 1,4 milhão de seguidores na rede. “Gosto de vídeos rápidos, de coisas espontâneas e diferentes”, diz o agora famoso creator, que já produziu conteúdos para marcas como McDonalds, Santander e Trident.

Especialista em marketing digital e performance, André Salles, consultor técnico da YZ Media para a América Latina, diz que o TikTok é um caso de sucesso, tem se tornado uma válvula de escape para as pessoas durante a pandemia, o que aumenta a importância do aplicativo. Mas faz um alerta. “É difícil prever se é uma onda passageira.” OK, como tudo na internet. O fato é que por enquanto, para os gigantes americanos da tecnologia, tem sido um tsunami.