O visionário Bill Gates, criador e dono da Microsoft, disse em 1973 que o ?escritório sem papel? dominaria o mercado. O poder dos cartórios, porém, foi mais forte do que a imposição da informática no cotidiano dos negócios. Que o diga Victor Mendes, presidente no Brasil da Recall Corporation ? empresa com três mil funcionários em 150 escritórios em 18 países, que tem sede em Atlanta, Estados Unidos, mas é controlada por uma das maiores empresas da Austrália, a Brambles Industries. Há um ano, ele instalou por aqui a companhia, cujo principal negócio é justamente lidar com a papelada gerada pela burocracia, fazendo serviços como a administração, o armazenamento e a destruição segura de documentos. Traduzindo, a Recall encontrou na organização da papelada de empresas, instituições financeiras e órgãos públicos um ótimo filão para ganhar dinheiro. A empresa armazena documentos num sistema computadorizado, que garante maior facilidade de localização e permite a cópia em papel, ainda exigida pelos cartórios. Quando necessário, a documentação é preservada em papel, protegida por senha e até um complexo sistema de segurança. Ou pode ser destruída para não deixar segredos das empresas e instituições públicas expostos à curiosidade alheia.

É justamente o ato de exterminar documentos ? atividade denominada oficialmente Secure Destruction Services ? a face mais curiosa e promissora dos serviços oferecidos pela Recall. Tanto é verdade que a empresa promete investir, nos próximos cinco anos, US$ 1 bilhão para dotar suas filiais de tecnologia em equipamentos e instalações destinadas a esse fim. O Brasil ganhará a maior fatia do bolo. Neste serviço, documentos sigilosos de empresas são levados num rígido sistema de segurança e picotados em ambiente fechado num centro da empresa, transformando-se em matéria-prima para a indústria de aglomerados. Bancos são o principal alvo da estratégia, devido à atividade sigilosa que envolvem. Como a terceirização de serviços é prática comum no Brasil, o empresário acredita que ainda há muito por crescer aqui. ?Além de tudo, o brasileiro é mais receptivo a novas idéias?, arrisca Mendes.

As oportunidades que se abrem no Brasil podem ser medidas, por exemplo, pelos serviços inaugurados a partir de decisões judiciais. É o caso do pagamento das correções de planos econômicos federais determinado pelo Supremo Tribunal Federal (STF). A Recall Corporation está na fila para abocanhar a concorrência pela operação de cadastramento dos contribuintes do Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS). Os cálculos dos valores dessas correções, realizados pela Federação Brasileira dos Bancos (Febraban), serão armazenados digitalmente. ?A consulta pelos 70 bancos associados é agilizada?, explica Mendes. ?A grande vantagem obtida com a tecnologia é a facilidade com o manuseio do material.? São negócios desse tipo, que implicam grande movimentação de papéis, que interessam à companhia. Com o uso de tecnologias de indexação digital e código de barras de identificação, a Recall acelera os trabalhos da Justiça. ?Alguns processos ainda são desarquivados pelo método tradicional em 30 dias. Nós fazemos o mesmo trabalho em 48 horas?, conta.

A introdução de novas tecnologias na documentação facilitou a vida dos empresários, mas o papel ainda representa 95% de todas as informações armazenadas nos Estados Unidos. Um sinal de que o negócio da Recall tem futuro. Hoje, a empresa tem sob sua guarda em todo o mundo dados equivalentes em volume a 450 milhões de caixas de arquivos, sendo 2,5 milhões só nos escritórios do Rio de Janeiro e de São Paulo. ?O volume de documentos armazenados cresce a uma taxa de 10% ao ano?, revela Mendes. Entre os clientes brasileiros, estão os Tribunais de Justiça do Rio de Janeiro e de São Paulo, as montadoras de automóveis Ford e General Motors, a seguradora Sul América, e os bancos Bradesco, Itaú, Santander e Citibank. A Recall cresceu fortemente no último ano com a aquisição de 20 empresas, sendo duas delas brasileiras: a Memoteca, adquirida do grupo Fink, e a Granfile, do grupo Granero, ambas originadas de empresas de transporte.