Uma das entidades mais influentes em Brasília, a associação dos lobistas viveu uma intensa disputa interna nos últimos meses com direito a dossiês contra dirigentes, bate-boca em grupos na internet, questionamentos sobre a transparência das contas e a articulação frustrada para uma chapa de oposição que terminou na debandada de diretores que pediam reformas.

Conhecida por fazer o “lobby do lobby”, a Associação Brasileira de Relações Institucionais e Governamentais (Abrig) passa por um momento estratégico. A atividade pode ser regulamentada em breve no Brasil, com um projeto de lei pronto para ser votado no plenário da Câmara. Entre os pontos da proposta, estão a obrigação do cadastro de profissionais e a prestação de contas a órgãos de controle.

Além disso, a Abrig terá seu presidente substituído em janeiro do ano que vem, após um período de crescimento. Sob comando de Guilherme Cunha Costa, que assumiu a entidade em 2016, o número de associados saiu de 76 para mais de 650 – e a arrecadação com mensalidades acompanhou o ritmo de crescimento. Os meses que antecederam a eleição interna foram marcados por desentendimentos, e um deles envolveu a família presidencial.

Em agosto, o presidente Jair Bolsonaro publicou uma foto do filho Eduardo, deputado federal pelo PSL, com um cheque simbólico de R$ 31 bilhões em uma viagem oficial à Indonésia. Ao lado de Eduardo estavam o presidente da Abrig e o empresário indonésio Jackson Widjaja – empregador de Guilherme Cunha Costa. O valor se referia ao total de investimentos que a Paper Excellence, empresa para a qual Cunha Costa trabalha, se comprometeu a fazer no Brasil até 2022.

A foto gerou ruídos internos na associação. A Paper Excellence está às voltas com o que é considerada a maior briga corporativa do Brasil, após comprar a empresa Eldorado Celulose do grupo J&F, dos irmãos Batista, e o processo entrar em litígio na Justiça. Apesar de a foto do cheque não configurar qualquer irregularidade, alguns dirigentes da Abrig se questionaram sobre os efeitos para a imagem da associação – e avaliaram, em conversas reservadas, que o presidente da entidade poderia ter sido mais discreto pois, a rigor, representa tanto a Abrig quanto a empresa indonésia.

“Eu tenho plena consciência de que não misturei as coisas”, disse Cunha Costa. “A entrega que a gente está deixando (no crescimento da Abrig) é infinitamente maior do que qualquer discussãozinha sobre se houve conflito de interesse ou não.”

Após a foto ser publicada em veículos de imprensa, uma nota divulgada em nome da diretoria da Abrig gerou a discordância de um dos vice-presidentes, que renunciou ao cargo. Renault Castro, que mais tarde se desligou da associação (que ajudou a fundar), afirmou que as discordâncias iam muito além do episódio e estavam mais ligadas à forma como a Abrig é gerida e questões “programáticas”.

“A associação estava começando a ser ligada a fatos que eram absolutamente contrários ao seu propósito”, disse Castro. “Um dos propósitos da fundação da associação foi de contribuir para sensibilizar e diminuir o estigma da palavra e a atividade de lobby.”

Outro fato que provocou descontentamento foi o convite para a Abrig integrar a União Postal Universal (UPU), agência que avalia desempenho e qualidade de serviços de entrega em mais de 200 países. Muitos estranharam, já que as finalidades de cada entidade – lobby e logística – não têm nada em comum. A entrada da Abrig na UPU ocorreu após a entidade promover eventos sobre mudanças legislativas no setor. Houve reclamações de que o assunto deveria ter sido levado para discussão de dirigentes. “Pode falar o que for, mas na Abrig todas as decisões são colegiadas”, afirmou o presidente.

Cunha Costa também foi questionado em relação ao uso de salas alugadas pela Abrig. No mesmo andar que hospeda a associação, no setor hoteleiro de Brasília, já estiveram registradas a Associação dos Produtores Rurais em Terras da União (Abpru), da qual Cunha Costa também é presidente, e duas empresas do diretor Márcio Artiaga – uma delas do ramo de logística. Artiaga é amigo pessoal de Cunha Costa, que o convidou para se tornar dirigente da associação.

Já a Abpru nasceu para defender interesses de milhares de ocupantes da Fazenda Sálvia, uma das maiores propriedades da União no Distrito Federal. Entre eles estão pessoas que construíram condomínios e chácaras irregulares. Em julho, Cunha Costa assinou um acordo de cooperação com a Superintendência de Patrimônio da União para fazer a regularização fundiária do local em até 60 meses. Sobre a coincidência no endereço das entidades e das empresas, ele disse que isso só ocorreu por causa de um atraso na mudança formal de endereços. As informações sobre os registros de endereço circularam em documentos elaborados pela oposição dentro da entidade.

Chapa

Os dissidentes, no entanto, não conseguiram viabilizar uma chapa concorrente, e seis diretores resolveram sair da Abrig. Segundo o ex-diretor Renault Castro, isso ocorreu também após propostas que estavam sendo elaboradas pela oposição serem implementadas com antecedência pela gestão atual, o que acabou esvaziando o movimento contrário. Entre esses pontos estavam melhorias na transparência das contas e na governança, que a oposição pedia que fosse mais “democrática”.

“O objetivo não era apenas ganhar eleição, mas ganhar para realizar esses aperfeiçoamentos. Se grande parte deles foi satisfeita pela atual administração, já foi um ganho excepcional”, disse Castro.

Quem assume a Abrig no lugar de Cunha Costa, em dezembro, é o advogado Luiz Henrique Bezerra. “Queremos trazer clareza para esse debate, não dá mais para essa atividade ficar como é feita hoje, sem regras, sem transparência, sem isonomia de acesso às autoridades”, disse Bezerra. “Não que a gente não tivesse transparência nas outras gestões, mas queremos fortalecer isso.” As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.