Nos anos dourados do período pós-privatização, a convivência era pacífica e cordial. O setor das telecomunicações era uma das vedetes da chamada nova economia, a base de clientes no Brasil crescia numa velocidade estonteante e todos os lucros represados no período estatal engordavam os cofres dos novos donos. Bom, os dias felizes ficaram para trás. Veio a desvalorização do real, o estouro da bolha da nova economia, a crise dos balanços das grandes corporações e acirrou-se a competição entre as operadoras brasileiras, tornando os ganhos financeiros cada vez mais escassos. Resultado: o que há hoje é uma verdadeira batalha campal entre os dirigentes das principais empresas de telefonia do Brasil. De um lado da trincheira, colocam-se Jorge Rodriguez e Purificación Carpinteyro, presidente e vice da Embratel, a maior empresa nacional de longa distância e de serviços corporativos. Do outro, estão José Fernandes Pauletti, Carla Cico e Fernando Xavier, os presidentes das três operadoras de telefonia fixa do País: Telemar, Brasil Telecom e Telefônica. ?Estamos em guerra porque somos vítimas de um cartel que tenta nos destruir?, dispara Purificación, que, em tom jocoso, é chamada pelos concorrentes de Conspiración Carpinteyro. ?Essa tese é pura ficção, pois o problema da Embratel, pelo que se lê nos balanços, é puramente de gestão?, rebate Carla Cico. Em meio ao bombardeio, Luiz Guilherme Schymura, presidente da Agência Nacional de Telecomunicações, tenta preservar seu cargo. Schymura chegou a ter sua cabeça a prêmio e era acusado pelas teles fixas de ter vestido as cores da Embratel. Ele, que também se desentendeu com o ministro das Comunciações, Juarez Quadros, ganhou uma sobrevida. ?Por enquanto, o assunto Schymura saiu da agenda do presidente Fernando Henrique?, disse à DINHEIRO uma fonte graduada do Palácio do Planalto.

Por trás de toda a confusão reinante no mercado brasileiro de telecomunicações, há um aspecto técnico que oculta uma briga bilionária. Trata-se das tarifas de interconexão pagas entre as operadoras. Funciona assim: sempre que alguém usa o número 21 para fazer um interurbano entre Rio de Janeiro e São Paulo, por exemplo, a Embratel cobra do cliente um valor, mas é obrigada a também pagar um pedágio às operadoras fixas Telemar e Telefônica por ter usado as redes das duas empresas, que dominam o mercado local. Desde a privatização, a Embratel já pagou R$ 12 bilhões às operadoras fixas. ?O custo cobrado pelas empresas na interconexão é maior do que o valor final dos interurbanos?, diz Purificación. As ligações, segundo ela, são deficitárias. Sua tese é a seguinte: como Telefônica e Telemar agora também fazem interurbanos nacionais e internacionais, com os números 15 e 31, as duas empresas seriam capazes de cobrar mais dos concorrentes pelo uso da rede local do que cobram de si próprias. Além disso, como têm praticamente um monopólio nas ligações locais, teriam fôlego para subsidiar os seus próprios interurbanos. ?Se esse desequilíbrio na competição persistisse, a escolha racional de uma operadora como a Embratel seria abandonar o mercado de interurbanos?, diz Purificación. O presidente da empresa, Jorge Rodriguez, vai ainda mais longe. ?No longo prazo o consumidor perderia porque, depois que as operadoras fixas tomassem o mercado de longa distância, poderiam cobrar o que bem entendessem?. Uma das armas da Embratel nessa briga é um trabalho feito pela consultoria McKinsey para as três teles fixas, em que há uma menção aos subsídios cruzados. As operadoras fixas alegam que as tarifas de interconexão seguem regras da Anatel e vêm caindo nos últimos anos.

Em meio a essa guerra, Schymura terá que tomar uma decisão crucial. Até o fim de outubro, ele decidirá a posição da Anatel num processo movido pela Embratel e pela Intelig contra as operadoras fixas no Conselho Administrativo de Defesa Econômica. ?Estou tentando compor os interesses, que são muito pesados?, disse Schymura. A Telemar, por exemplo, alega que a Embratel não vem pagando integralmente à empresa as tarifas de interconexão e cobra uma fatura de R$ 219 milhões. A Embratel, por sua vez, alega que, em pendências comerciais, tem R$ 300 milhões a receber da Telemar. ?Quando aconteceu a privatização, a Embratel já sabia das regras da interconexão?, disse à DINHEIRO José Fernandes Pauletti, presidente da Telemar. ?Por que será que agora elas não valeriam mais??, indaga. Para colocar mais lenha na fogueira, a contratação de Maria Sílvia Bastos Marques como consultora financeira da Embratel disseminou uma nova onda de boatos. O superintendente da Anatel, Wagner Ardeo, foi o braço direito de Maria Sílvia na CSN e na Prefeitura do Rio. ?Ele é meu amigo, mas não fui contratada para fazer lobby?, disse Maria Sílvia. Pelo visto, a guerra só começou.