No Brasil e no mundo o mês de junho trouxe para discussão os direitos das mulheres. Em especial sobre o próprio corpo. Nos Estados Unidos, a Suprema Corte desfederalizou, na sexta-feira (24), o direito constitucional ao aborto no país, deixando a legalização a critério dos estados e abrindo espaço para que menos mulheres possam fazer suas escolhas. No Brasil dois casos (um envolvendo aborto e outro, adoção) dominaram o noticiário e vieram recheados de dedos e opiniões pessoais. Mas ao experimentar o exercício de retirar o filtro das impressões individuais sobre o tema, algumas coisas são matemática pura. Em especial as que tratam de economia. Mulheres independentes e com controle sobre o próprio corpo trabalham, ganham e gastam mais. Crianças e adolescentes sem filhos em suas jornadas na tenra idade são mais produtivas financeiramente e serão essenciais para interromper o ciclo de pobreza que assola países emergentes, como Brasil e Índia. “O controle de natalidade aumenta a autonomia das mulheres”, afirmou Vivian Almeida, economista e professora do Ibmec.

E isso é sentido no dia a dia. Um estudo da ONU e do FMI feito antes da pandemia revelou que os países emergentes, em especial Índia e Brasil, perdem mais de US$ 10 bilhões em geração de riquezas apenas com a gravidez de jovens e adolescentes. Segundo o levantamento, a diferença dos proventos de uma mulher que foi mãe aos 16 anos e uma mãe aos 26 é de mais de 60%. A economista e pesquisadora Wendy Cunningham, do Banco Mundial, é uma das que têm se debruçado sobre esse assunto. “A sociedade tende a culpar meninas, em especial as mais pobres. Elas são questionadas se têm o filho ou se decidem não ter ou não criar. Isso fortalece apenas o ciclo da pobreza”, disse ela.

MOVIMENTO Cecilia Rouse, presidente do Conselho da Casa Branca, afirma que as empresas irão dar suporte para as mulheres decidirem sobre o próprio futuro. (Crédito:Nicholas Kamm)

Segundo Vivian, no caso de mulheres com idade mais avançada e que por alguma razão não queiram ter ou criar uma criança, a falta de poder de decisão também impacta seu futuro econômico e, indiretamente, a riqueza de seu país. “É inequívoco que a medidas [restritivas, como a dos EUA] prejudicam a permanência das mulheres no mercado de trabalho, já que hoje a decisão de ter um filho se relaciona com a dúvida sobre como manter o emprego depois”, disse. E as empresas sabem que parte de suas forças está nas mulheres. Tanto que horas após a decisão da Suprema Corte dos Estados Unidos, executivos de algumas das maiores companhias dos Estados Unidos — como Amazon, Citigroup, Disney,

Facebook, JP Morgan, o app Lyft e o site Yelp — se fecharam em reuniões para discutir o que fazer.
Resultado: as empresas se comprometeram a financiar custos de viagem para funcionárias que decidirem abortar, dentro ou fora do país. Um público imenso. Pelas contas do Instituto Guttmacher, 40 milhões de mulheres em idade fértil e formalmente empregadas perderam o direito ao aborto legal. É o equivalente à população do estado de São Paulo ou quase o contingente populacional da Argentina ou da Espanha.

RETROCESSO O presidente dos EUA, Joe Biden, lamenta a decisão da Corte sobre aborto e diz que país retrocede 150 anos. (Crédito:Gabriel Bouys)

A contraofensiva empresarial não é apenas um gesto de bondade ou de apoio à causa pró-aborto. É também uma estratégia de negócio. Segundo Cecilia Rouse, economista que preside o Conselho de Assessores Econômicos da Casa Branca, as empresas têm percepção de como a autonomia da mulher é importante para o avanço de seus negócios. E por isso as empresas já começaram a se manifestar. O aplicativo de mobilidade Lyft ofereceu suporte financeiro e jurídico às motoristas em casos de aborto. Já o presidente do Yelp, Jeremy Stoppelman, publicou no Twitter um texto de repúdio à decisão e convocou as empresas a pressionarem a Suprema Corte a revê-la. “O tribunal coloca a saúde das mulheres em risco. Os líderes empresariais precisam se manifestar’’, escreveu. Na mesma direção, a Disney distribuiu a seus quase 90 mil funcionários na Flórida, estado em que o aborto será permitido até a 15ª semana de gestação, um comunicado de apoio às mulheres.

Na Casa Branca, o presidente dos Estados Unidos, Joe Biden, lamentou a decisão da Corte. “Hoje é um dia triste para o tribunal e para o país, que está regredindo em uma lei em vigor há quase 50 anos. Sinto como se a América voltasse 150 anos no tempo”, disse. Entre os mais conservadores, obviamente, houve comemoração. O líder da minoria no Congresso, o republicano Kevin McCarthy, eleito pela Califórnia, aplaudiu a decisão e disse que, além de salvar muitas vidas, ela dá voz de decisão para os estados. “A Suprema Corte corrigiu um erro histórico e tirou da Constituição o assassinato legalizado”, disse.