Quando tomou posse, em 1960, o presidente americano John F. Kennedy fez uma escolha não convencional: nomeou seu irmão mais novo, Robert, Procurador Geral dos Estados Unidos. Com 35 anos, Robert era advogado, mas nunca tinha trabalhado em cortes federais ou estaduais, como era costume ao cargo. Os jornais não perdoaram e enumeraram essas e outras críticas. No fim, tudo deu certo. Bobby, como era conhecido, teve um dos mandatos mais célebres na função, num momento em que os americanos discutiam feminismo, Guerra Fria e o fim da segregação racial. O sucesso foi tanto que ele se lançou candidato à presidência. Talvez até tivesse ganhado, não fosse o assassinato que tirou a sua vida em 1968, como acontecera com seu irmão.

Eduardo Bolsonaro, escolhido pelo seu pai para ser o novo embaixador em Washington, também tem 35 anos e pouca experiência em relações externas. Sua trajetória não traz semelhanças com a de Bobby. Ele formou-se em direito na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), não em Harvard. Passou no concurso de escrivão da Polícia Federal e elegeu-se deputado federal pelo Rio de Janeiro. O clã Bolsonaro também não possui o mesmo peso político que a família Kennedy nos Estados Unidos. Jair Bolsonaro passou a maior parte da sua carreira como um político anônimo, um integrante caricato do baixo clero. Ascendeu à Presidência com um discurso radical de direita e frases de efeito em temas polêmicos.

Como de costume, o presidente Bolsonaro lançou o nome do filho para o cargo para testar a opinião pública. O que parecia ser anedota logo ganhou ares de decisão e está próximo a se concretizar. O governo anunciou que já rascunhou um documento de consulta às autoridades americanas ­— pré-requisito para o escolhido — e parece se movimentar nos bastidores do Senado, que precisa sancionar o nome. A lei federal que impede a nomeação de parentes para cargos públicos não contempla o cargo de embaixador, mas gera ao menos um constrangimento. “A questão do nepotismo não é mais tão subjetiva assim. Está na Constituição”, afirma George Niaradi, professor de Relações Internacionais do Ibmec-Damásio. “O Senado não pode simplesmente ignorar o fato de ele ser filho do presidente.”

O Senado tem 45 dias após a indicação oficial para aprovar o nome. Não será tão simples convencer os senadores. A presidente da Comissão de Constituição e Justiça do Senado, Simone Tebet (MDB-MS), disse que a escolha deve ser “o maior erro” de Bolsonaro. O presidente da casa, Davi Alcolumbre (DEM-AP), não se mostrou inclinado a ajudar. O filho 03, como é conhecido, saiu em defesa própria: “Não sou um filho de deputado que está, do nada, sendo alçado a essa condição”, afirmou Eduardo. “Sou presidente da Comissão de Relações Exteriores, tenho uma vivência pelo mundo, já fiz intercâmbio, já fritei hambúrguer lá nos Estados Unidos.”

Mais experiência: o diplomata Nestor Foster (à esq) era o favorito para a posição até a indicação de Eduardo. Sérgio Amaral, que deixa o posto, foi embaixador em Londres e Paris (Crédito:Divulgação)

Cargo de maior prestígio na carreira diplomática, com exceção do próprio ministro das Relações Exteriores, o embaixador nos EUA faz o meio de campo entre os dois governos, cria uma rede de contatos entre empresários dos dois países e ajuda a criar uma boa impressão do Brasil nos Estados Unidos, maior economia global e segundo parceiro comercial do País. O chanceler Ernesto Araújo se posicionou a favor da escolha. A indicação, aliás, demonstra o desprestígio que a pasta tem no Planalto. Nomes com muito mais experiência na área foram descartados, inclusive o de Nestor Foster, diplomata de carreira do entorno de Olavo de Carvalho, guru do clã Bolsonaro. Muito mais preparado do que Eduardo, Foster vinha sendo apontado como o favorito ao posto até então.

A embaixada de Washington está vaga há cerca de um mês. O último a ocupar o cargo, o embaixador Sérgio Amaral, era diplomata de carreira, já passara pelas embaixadas da França e da Inglaterra e tinha experiência em comércio internacional. A favor de Eduardo, pesa a empatia de Trump. Em visita oficial do presidente Bolsonaro à Casa Branca, em março, o americano elogiou publicamente o filho 03. Segundo o governo brasileiro, Trump teria ainda sinalizado com a indicação do filho Eric para a embaixada brasileira caso confirmado o nome de Eduardo na capital americana. A informação foi desmentida pelo porta-voz de Eric.

Outros nomes de fora do mundo diplomático já ocuparam o cargo, como o advogado Osvaldo Aranha e o magnata Walter Moreira Salles. Nem por isso com passagens avaliadas como mal-sucedidas. “Não há nada que diga que ele será um embaixador ruim, mas também nada que diz que ele será bom”, diz Marcos Azambuja, ex-embaixador do Brasil na França e conselheiro do Centro Brasileiro de Relações Internacionais (CEBRI). Euardo será capaz de deixar uma marca como Bobby Kennedy?