Perigo à vista. Em tempos de recessão americana, crise argentina e derrocada da Turquia, o déficit externo brasileiro está crescendo, enquanto um dos indicadores mais lustrosos do governo FHC ? o investimento direto estrangeiro, verdadeira âncora da estabilidade econômica ? começa a esfriar. O dinheiro gringo, lembre-se, é imprescindível para cobrir o rombo das contas internacionais brasileiras. Em janeiro, o déficit nas contas correntes acumulado nos últimos 12 meses foi de 4,39% do PIB. Há seis meses, o número registrado era de 4,08% ? é uma diferença de US$ 1,5 bilhão. Na outra ponta, o fluxo de investimento direto estrangeiro, responsável por uma injeção de capital produtivo de US$ 30,6 bilhões em 2000, deve diminuir 24,8% este ano, orbitando em torno de US$ 23 bilhões. Pior: deve encolher cada vez mais, chegando a cerca de US$ 17 bilhões em 2005, segundo projeções do economista Octavio de Barros, do BBV. A equação mostra que nos próximos anos vai ficar mais difícil para o Brasil captar entre US$ 55 bilhões e US$ 60 bilhões anuais (incluindo aí amortizações, que são refinanciadas no mercado internacional) para fechar suas contas. Resumo da ópera: o País está andando rápido na direção errada, e, novamente, não poderá crescer de acordo com seu enorme potencial.

?O sinal amarelo está aceso?, avisa o economista José Roberto Mendonça de Barros, ex-secretário-executivo da Câmara de Comércio Exterior (Camex). O sócio da consultoria MB Associados calcula que em 2001 o déficit em conta corrente deve bater em 4,9% do PIB, cerca de US$ 28,8 bilhões. A grande frustração das contas externas, diz ele, é a balança comercial brasileira. Ela deveria compensar os pagamentos de juros, viagens, lucros e dividendos para o exterior, que totalizaram US$ 25,7 bilhões em 2000, mas, em vez disso, acrescenta às contas nacionais uma outra dose de problemas: o déficit. ?Da maneira como as coisas estão, se a economia crescer mais haverá ainda mais déficit, porque aumentam as importações?, diz Mendonça de Barros, que prevê um resultado negativo de US$ 2,2 bilhões na balança comercial. Na quinta-feira, dia 1º, o Ministério do Desenvolvimento apurou que em janeiro e fevereiro as importações superaram as exportações em US$ 399 milhões. No ano passado todo, a balança comercial acusou US$ 697 milhões negativos. O resultado é que não há analista fora do governo que projete superávit comercial em 2001.

O déficit em conta corrente é um problema que vem atormentando o País nos últimos anos. É o primeiro dado que analistas olham para avaliar a capacidade de pagamento de um país. Logo, pode ser um detonador de crises. No médio prazo, o que está em jogo é o limite de crescimento do Brasil. Quando Mendonça de Barros calcula um déficit externo de 4,9%, embute um crescimento de 4% do PIB. Se o PIB brasileiro for maior, o rombo também aumenta, e isso força o governo a puxar o breque de mão, mediante a elevação da taxa de juros. É o famoso stop and go, o crescimento por espasmos que o Brasil tem experimentado nos últimos 20 anos. O próprio presidente do Banco Central, Armínio Fraga, reconhece que nas atuais condições não dá para o País crescer os 6% ou 7% que todos gostariam. ?Pode até crescer 6% por seis meses, mas depois explode?, diz ele. Um crescimento descontrolado aumentaria a demanda por importações e, conseqüentemente, poderia gerar inflação, pondo a perder a estabilização do Plano Real. O que seria o início de um círculo virtuoso acaba em mais uma freada brusca. ?Para o PIB passar do patamar atual, é preciso elevar a taxa de investimento dos atuais 19% para 25%?, diz Otaviano Canuto, professor da Unicamp. Esse investimento permitiria a ampliação da produção local e das exportações, aliviando a balança externa e rompendo o gargalo da economia. ?É claro que isso não se faz da noite para o dia?, diz Canuto.

É muito provável que em 2001 o País não tenha maiores dificuldades para fechar suas contas. Barros, do BBV, diz que o déficit que o Brasil deve ter no momento é perfeitamente financiável com empréstimo externos ? desde que a economia mundial não derrape. Há o risco da águia americana pousar de barriga, há o medo de que a malaise argentina atravesse a fronteira… Se o barco da economia brasileira sobreviver a isso tudo em 2000, como deve acontecer, em dois ou três anos a conversa poderá ser outra. ?Se a atual estrutura não mudar, o País será obrigado a abortar o crescimento?, diz Mendonça de Barros. Seria a repetição da velha história: um passo para frente, dois para trás.