No dia 19 de agosto, o mercado imobiliário foi sacudido por uma proposta inesperada. Sem aviso prévio, a incorporadora Gafisa lançou uma proposta de dividir o teto com a concorrente Tecnisa, que também não está em seus melhores momentos. A iniciativa tem grandes possibilidades de transformar-se em uma novela. E o enredo não tem agradado os analistas. “Gostamos do setor, mas são duas companhias com desempenho irregular”, disse Luis Sales, da Guide Investimentos. Prova disso é o desempenho das ações, que oscilou bastante nos últimos dias, após a proposta da associação ter se tornado pública.

As críticas ao negócio são variadas. Começam pela forma como a proposta foi divulgada pela Gafisa, que sugeriu várias alternativas. A primeira delas é fundir as duas incorporadoras. A segunda é a Gafisa fazer uma Oferta Pública de Aquisição (OPA) voluntária, total ou parcial, para as ações da concorrente. A terceira opção é ignorar as preliminares e partir direto para o assunto, com as ações da Tecnisa sendo adquiridas diretamente no mercado.

Esse processo já começou. O Fundo Bergamo, cujas cotas pertencem integralmente à Gafisa, elevou sua participação no capital da Tecnisa de 3% para 5% ao longo das últimas semanas. Para adicionar mais temperatura às conversas já acaloradas, os estatutos da Tecnisa têm uma cláusula contra tentativas hostis de aquisição. A regra obriga qualquer acionista que adquira mais de 20% das ações da Tecnisa a lançar uma OPA pelos 80% restantes em até 60 dias. Isso encarece qualquer tentativa de assumir o controle da incorporadora por meio de aquisições não solicitadas no mercado, e dificulta a vida dos eventuais interessados em controlar a Tecnisa.

A Gafisa quer convocar uma assembleia para elevar para 30% o percentual que dispara a OPA. As empresas não comentam o assunto e os analistas preferem conversas discretas, mas até os pedriscos nas calçadas da avenida Faria Lima sabem que a intenção de Nelson Tanure, um dos maiores investidores na Gafisa, é ter uma participação na Tecnisa maior do que a da família Nigri, que fundou a incorporadora em 1977. Não por acaso, os acionistas controladores da Tecnisa consideraram a oferta hostil.

Analistas indicam outros senões. Os ganhos potenciais com a busca de sinergias são muito pequenos para justificar o negócio, na avaliação de quem conhece os números. Outro senão é que ambas as companhias ainda estão se recuperando dos tempos ruins para o setor, ao contrário da maioria dos concorrentes, que já superou os piores momentos. Eduardo Guimarães, diretor de análise da empresa independente Levante Ideias de Investimentos, faz uma comparação com a Fórmula 1. “A construção civil retomou os negócios em julho, mas enquanto as concorrentes vão largar nos primeiros lugares, Gafisa e Tecnisa largarão dos boxes”. Segundo Guimarães, empresas como Cyrela, MRV, Trisul, entre outras, compraram terrenos quando o mercado estava em baixa e já têm projetos aprovados para lançamentos. Isso não ocorre com Gafisa e Tecnisa. Ambas registraram prejuízo no segundo trimestre.

A recomendação de Sales, da Guide, é cautela. “São duas empresas em processo de recuperação. São investimentos com risco mais alto”, afirmou. Para ele, o investidor tem de estar ciente dessa realidade. Já Guimarães, da Levante, não indica a Gafisa pelos problemas que a companhia teve no último ano, que resultou em trocas sucessivas de diretores. Para ele, as perspectivas para as ações da Tecnisa são melhores. Mesmo assim, é um investimento para o longo prazo. “São duas empresas que estão longe de pagar dividendos, e ainda têm de enfrentar essa disputa, o que torna tudo mais indefinido”, disse.