Se não fosse por uma placa, a fronteira entre Inglaterra e Gales seria imperceptível em Knighton, localidade britânica situada entre os dois países. Mas o coronavírus e as diferentes regras de combate à doença em cada região mudaram a situação.

“Antes não tinha importância”, afirmou à AFP Nick Johns, prefeito da localidade de 3.000 habitantes, localizada a 260 km de Londres e a 130 km de Cardiff, a capital galesa.

O centro da cidade fica do lado galês, que retomou o confinamento nesta sexta-feira. Do outro lado do rio Teme, ficam a estação de trem e algumas casas, cujos moradores ainda podem circular livremente.

Deslocamentos, abertura do comércio, uso de máscara: com a pandemia, as regras evoluem de maneira diferente em cada lado de Knighton.

Durante o confinamento da primavera (hemisfério norte), “tínhamos que nos encontrar com as pessoas que vinham nos visitar no estacionamento da estação”, do lado inglês, recorda Johns.

“Era uma loucura, as pessoas tinham medo de vir a Gales, onde as restrições eram mais estritas”, completou.

No Reino Unido, país mais afetado da Europa, com mais de 44.000 mortos, o governo de cada uma das quatro nações estabelece as políticas de saúde.

“As regras em Gales são diferentes das regras na Escócia, que são diferentes das regras na Inglaterra e na Irlanda do Norte. É um pouco parecido com um campo minado”, afirma o prefeito.

Os comerciantes tentam aplicar as regras ao pé da letra, diante de clientes confusos.

“O Reino Unido deveria ser o reino unido”, declara Chris Branford, gerente do salão de chá de Knighton, enquanto verifica a temperatura dos clientes na entrada.

Ian Ross, que organiza cursos de direção de carros de rali na vizinha Worcestershire, considera que “as regras não são tão claras como deveriam”.

“Especialmente para mim, que tenho base em Gales, mas trabalho na Inglaterra”, lamenta.

– “Um pouco de revolta” –

Desde a semana passada, Gales proíbe a entrada de pessoas procedentes das áreas mais afetadas da Inglaterra, uma norma considerada “inaplicável” pelo organismo britânico que representa os agentes de polícia.

A partir das 18h (14h de Brasília) desta sexta-feira, esta província de três milhões de habitantes retomará o confinamento durante 17 dias por decisão do governo galês.

“Vamos ter que aceitar, não temos outra opção”, disse o prefeito, que confia na resiliência dos estabelecimentos locais – nenhum faliu durante o primeiro confinamento.

Em Knighton, porém, pouco afetada pelo vírus, “há um pouco de revolta” por termos que aceitar as mesmas regras que cidades como Cardiff, ou Swansea, afirma.

“É difícil, obviamente, estar na fronteira, tão perto da Inglaterra”, lamenta Holly Adams-Evan em seu “pub”.

Nas paredes, cartazes recordam os clientes sobre o distanciamento que deve ser respeitado no local: o tamanho equivalente ao de uma vaca.

“Esperamos que tudo fique bem”, afirma a jovem, que, com o companheiro Craig Small, conseguiu manter até o momento os seis funcionários de seu “pub”.

Após meses de fechamento e graças aos incentivos financeiros do governo, eles conseguiram uma boa recuperação em agosto. Com o novo confinamento, porém, o casal teme que os clientes acabem se acostumando a frequentar os “pubs” do lado inglês.

Nesse cenário de incerteza, eles podem contar com a fidelidade de Douglas Rumble, um septuagenário que afirma frequentar o local “oito dias por semana”.

“Qual o sentido de se comportar como quatro países diferentes? Somos um país!”, completa, sobre as regras divergentes.

“Vivemos em uma ilha e devemos agir como um, e não como quatro povos diferentes”, conclui.