Brasil tem 50 milhões de adultos obesos, segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS). Ou seja, 22% da população com mais de 18 anos no País tem o índice de massa corporal (que mede a concentração de gordura) igual ou superior a 30 kg/m2. Foi neste universo que a gigante dinamarquesa Novo Nordisk mergulhou em 2016, quando estabeleceu o tratamento da obesidade como pilar para o crescimento do seu negócio. O movimento é uma aposta da companhia para reduzir sua dependência do portfólio de medicamentos para diabetes, que respondem por 80% das vendas da multinacional, mas estão mais suscetíveis à pressão sobre preços com o acirramento da concorrência. E a estratégia foi tão certeira que a farmacêutica já projeta triplicar as vendas do portfólio para obesidade até 2025, ano em que pretende alcançar US$ 3,7 bilhões em faturamento nessa linha ­— sobre US$ 1,2 bilhão de receita no ano passado. Por aqui, com 75% da população dependente do Sistema Único de Saúde (SUS), a maior avenida para expansão está no setor público. Por isso, a Novo Nordisk estabeleceu tratativas com o governo para firmar canais de distribuição de seus medicamentos para perda de peso.

O documento de protocolo clínico e diretrizes para tratamento da obesidade, publicado em 2020 pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no SUS, só oferece dois caminhos pelo sistema público: os programas de prevenção à obesidade e, na outra ponta, a cirurgia bariátrica. Nem mesmo as drogas mais comuns nos tratamentos para perda de peso — e também mais baratas que as da Novo Nordisk —, como orlistate e sibutramina, são indicadas pelo órgão. Isabella Wanderley, gerente geral e vice-presidente da Novo Nordisk Brasil, enxerga um vazio assistencial com a não inclusão dos tratamentos farmacológicos. “Falta um fator nessa equação, já que as duas intervenções não estão entregando o resultado esperado”, afirmou à DINHEIRO. Em artigo publicado em 2018 na revista Panamericana de Salud Pública, especialistas estimam que 11% dos custos com doenças crônicas no SUS (R$ 3,45 bilhões naquele ano) eram atribuíveis ao atendimento de quadros de obesidade.

VAZIO NA ASSISTÊNCIA Isabella Wanderley (esq.), líder da operação nacional, acredita que as opções para tratamento da obesidade no sistema público são ineficazes sem a inclusão dos fármacos. (Crédito:REUTERS )

Com uma demanda estratégica no setor privado, a líder da operação nacional da Novo Nordisk explica que o pipeline de lançamentos para tratamento de obesidade inclui um medicamento de nova geração que já aguarda aprovação da Anvisa. Hoje, a empresa oferece apenas o Saxenda no Brasil, um fármaco que prolonga a sensação de saciedade. O produto é vendido por cerca de R$ 670 a caixa com três canetas, mas, como a indicação é de aplicação diária, o tratamento pode chegar a R$ 1,3 mil por mês. A nova droga, caso liberada, deve ser lançada até o ano que vem no País. Ela apresenta resultados superiores no emagrecimento dos pacientes e é de aplicação semanal. Lançada em junho passado nos Estados Unidos sob a marca Wegovy, a caixa com quatro canetas, suficientes para o tratamento mensal, custa US$ 1,7 mil, o equivalente a mais de R$ 8 mil. Com a cadeia de custos e impostos aqui, o preço deve ser ainda maior. No mercado americano o novo produto eclipsou o Saxenda e se tornou a grande aposta da companhia para aumentar sua penetração nesses tratamentos.

Com o reforço em portfólio, a multinacional dinamarquesa, que faturou US$ 50,3 bilhões em 2021, vem numa crescente de vendas e aumentando sua fatia no mercado global. No Brasil, a performance foi igualmente poderosa. A farmacêutica saiu de 25ª para se tornar a oitava maior em participação no varejo para o setor privado de saúde entre 2018 e 2021, conforme ranking da IQVIA.

INOVAÇÃO O mercado nacional reserva um horizonte promissor para a Novo Nordisk graças ao acordo firmado em agosto de 2021 com o Ministério da Saúde para fornecimento de 11,8 milhões de doses de insulina ­— contrato de R$ 120,1 milhões (R$ 10,17/unidade) — que garante o suprimento do SUS até abril de 2023. A multinacional ganhou espaço após o fim do contrato anterior, estabelecido com o laboratório ucraniano Indar, que, segundo o Ministério da Saúde, foi finalizado ainda no ano passado. Com a guerra no leste europeu, a empresa pode não conseguir brigar por essa fatia de mercado tão cedo.

ÔNUS PESADO Estudo de 2018 estima que 11% dos custos para tratamento de doenças crônicas no SUS são para atendimento. (Crédito:Istock)

A planta produtiva da dinamarquesa no Brasil, que fica em Montes Claros (MG), produz canetas e doses de insulina para o setor público daqui e para outros mercados. A vice-presidente da operação explica que o Brasil é um dos dez maiores mercados da farmacêutica (presente em 168 países), por isso a empresa investiu mais de R$ 100 milhões em pesquisa no País nos últimos cinco anos, o que para o segmento não é muito. Globalmente, a empresa investiu US$ 5 bilhões. De toda forma, a inovação é o único caminho para a dinamarquesa emagrecer a população e engordar sua presença no Brasil.