Na indústria de bens de luxo, o mercado global de carros é um dos segmentos mais reluzentes. Em dez anos, saiu de 245 bilhões de euros (2010) para 503 bilhões (2020), de acordo com o Statista. Dobrar de tamanho não deveria permitir deslizes. Pois não é o que acontece com Jaguar Land Rover. Adquiridas em 2008 pelo Tata Motors junto à Ford, por US$ 2,3 bilhões, as inglesas se transformaram em “pepinos” para os executivos do conglomerado indiano. Pelo pior dos motivos: falta de confiança. O problema foi admitido recentemente por Thierry Bollore, CEO do grupo Jaguar Land Rover, à agência de notícias Automotive News. “A insatisfação de nossos clientes realmente prejudica nosso volume (de vendas) natural”, afirmou o executivo francês. “As oportunidades perdidas hoje são enormes. São mais de 100 mil vendas que poderíamos realizar.”

A insatisfação dos clientes com os modelos Jaguar e Land Rover ficou evidenciada em pesquisa anual da consultoria americana JD Power, especializada em análise de dados e inteligência do consumidor. O estudo divulgado em fevereiro levou em conta os problemas apresentados por 33 marcas nos 12 meses anteriores. É atribuído a cada bandeira um índice (PP100) que representa o volume de reclamações em cada 100 veículos. São analisadas 177 adversidades específicas. Quanto menor o índice, mais confiável o modelo. E as duas marcas de origem britânica figuraram entre as cinco com o pior desempenho. No índice de confiabilidade, a Land Rover ficou em último lugar (244 pontos), enquanto a Jaguar acabou em terceiro (186) – a Alfa Romeo (196) terminou em segundo. As melhores foram Lexus (81), Porsche (86) e Kia (97), respectivamente, na primeira, segunda e terceira posições.

RISCO DE INCÊNDIO Land Rover teve de fazer recall em 2020 do modelo Ranger Rover Evoque por causa de falha elétrica no sistema de controle de bateria. (Crédito:Divulgação)

No Brasil, a relação entre os consumidores e as marcas também não é das melhores. Basta uma pesquisa em sites como o Reclame Aqui para constatar o descontentamento de muitos proprietários com os carros das marcas, principalmente os da Land Rover. Até a segunda-feira, eram ao menos 62 reclamações nos últimos seis meses. As críticas vão desde falta de estepe para um modelo Velar 2018, como detalhado por um cliente de Londrina (PR), à dificuldade de concessionárias em descobrir a razão para um defeito em uma Discovery Sport 2017 adquirida em Sete Lagoas (MG). No ano passado, este mesmo cidadão comprou outra Discovery Sport do ano e, no início deste mês, revelava estar sem o carro havia 15 dias, por um problema “que os mecânicos não resolvem”. No ano passado, a Land Rover foi obrigada a fazer um recall do modelo Range Rover Evoque devido à possibilidade de falha elétrica no sistema de controle de bateria que poderia ocasionar um curto-circuito.

As 100 mil vendas perdidas pelas duas marcas em 2020 correspondem a 24 % do total comercializado no mundo – 425.794 unidades. No Brasil, as vendas da Land Rover – entre modelos importados e produzidos no País – apresentam queda desde 2018, com a negociação de 6.750 veículos. Em 2019, foram 5.872, número que caiu a 4.620 no ano passado. A situação da Jaguar não é muito diferente. A marca importou 1.812 automóveis em 2018, 1.807 em 2019 e, no ano passado, 1.018. Com base no desempenho da Jaguar no primeiro trimestre de 2021, o cenário até dezembro desenha-se ainda mais temeroso. A montadora vendeu apenas 68 carros, queda de 81,4% na comparação com os 365 negociados no mesmo período de 2020. A Land Rover se manteve estável entre os importados (864 este ano ante 885 do ano passado, ou -2,4%), mas teve queda entre os nacionais – de 623 para 465, ou -25,4%.

PROBLEMA SEM FIM Problema recorrente em Discovery causa queixas de proprietários no Reclame Aqui. (Crédito:Divulgação)

O CEO da Jaguar Land Rover afirmou à Automotive News que o grupo pretende reverter a situação o quanto antes. Não poderia dizer outra coisa. Para isso, está reduzindo a complexidade dos veículos, além da produção, em 25%. Os primeiros sinais já parecem mais positivos. Desde meados de 2020, o grupo diminuiu pela metade – US$ 680 milhões – o gasto em garantia dos carros na comparação com 2019. Outra estratégia é minimizar os problemas a partir da mudança do portfólio de veículos para elétricos. Jaguar e Land Rover projetam comercializar apenas modelos livres de emissões já em 2025 e 2030, respectivamente. Os executivos acreditam que, com menor número de peças nas unidades motrizes, a chance de problemas vai diminuir.

A decisão é apoiada por Davi Bertoncello, CEO da Tupinambá Mobilidade Elétrica, startup voltada ao universo da infraestrutura de recarga veicular. O especialista afirmou que a plataforma dos elétricos é baseada em um powertrain que facilita a vida de uma montadora. “Reduz o número de peças de um carro em 60%.” Diante do momento vivido por Jaguar e Land Rover, a antecipação do planejamento seria a melhor estratégia. “É um caminho muito mais acertado do que criar outro carro, sendo que, em 2025, não irá mais produzir.” Para o bem das marcas e, principalmente, de seus fãs.