Aos 87 anos, a mulher mais rica da Europa está muito cansada. A voz fraca e a surdez dificultam o diálogo com Liliane Bettencourt, herdeira do maior império de cosméticos do mundo, o Grupo L’Oréal. Apesar da vontade, falta-lhe fôlego para passear com os cães ao redor de sua luxuosa mansão em Neuilly-sur-Seine, nos arredores de Paris.
 

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“Todas as minhas doações foram feitas voluntariamente” 
Liliane Bettencourt, herdeira da L’Oréal
 

Irritada diante de mais um pedido judicial de avaliação de seu estado mental, em um processo movido pela única filha, Françoise Bettencourt-Meyers, ela encontra forças e eleva o tom diante de seu advogado: “Chega disto! Eu não sou um vegetal!”.  A cena aconteceu em fevereiro. Depois de décadas de uma vida glamourosa e rodeada de pessoas poderosas e artistas, Madame Bettencourt está só e precisa provar, a partir desta semana, que continua dona de si e pode gastar a fortuna de US$ 20 bilhões como bem entender.

Começa na quinta-feira 1º, em Nanterre, o julgamento do fotógrafo François-Marie Banier, acusado por Françoise de se aproveitar da fragilidade mental de sua mãe para receber presentes como obras de arte e dinheiro, muito dinheiro.
 

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Ele recebeu dela quase 1 bilhão de euros nos últimos anos. Amigos de longa data, aproximaram-se ainda mais depois da morte do marido de Liliane, André Bettencourt, ex-ministro de Charles de Gaulle, em novembro de 2007. Obras de arte de Picasso e Matisse e até a ilha d’Arros, no arquipélago de Seychelles, estariam entre os mimos recebidos pelo fotógrafo. Ela se encantava com o charme, a vivacidade, a intrepidez e os amigos de Banier, um dândi de 62 anos que na juventude passeava com Salvador Dalí na garupa de sua moto. Na quarta-feira 23, a revista Paris Match estampou fotos dos dois em Paris, Marrocos, Istambul e Seychelles, em cenas de 1995 a 2007.  Em todas, ela parece feliz. Não está mais.
 

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A mãe, a filha: entre as duas, uma disputa judicial que vale US$ 20 bilhões
 

A conta do affair cresce a cada dia. A briga com a filha inconformada transformou-se num caso de polícia. Na semana passada, virou um escândalo político e manchou a reputação do ministro do Trabalho, Eric Woerth, homem forte do partido governista UMP, do presidente Nicholas Sarkozy. Como nos melhores mistérios de Agatha Christie, o vilão da história é o mordomo. Seu nome é Pascal Bonnefoy. Durante um ano, até maio, ele escondeu um gravador digital no paletó e, ao servir o chá para a patroa, gravou conversas comprometedoras. Diálogos com o gestor da fortuna, Patrice de Maistre, revelaram pelo menos duas contas não declaradas na Suíça, com US$ 100 milhões.
 

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O pivô : Banier, fotógrafo e amigo de celebridades como Samuel Beckett e Dalí
 

Alguns detalhes das 21 horas de conversas – entregues pela filha Françoise à polícia – mostraram relações perigosas com o poder. Uma das funcionárias de Liliane é ninguém menos que Florence Woerth, mulher do ministro do Orçamento Eric Woerth, encarregado de reformar o sistema previdenciário francês. Pura dinamite. O escândalo ganhou as páginas da imprensa nos últimos dias e dividiu a atenção do público com o fiasco da seleção azul, Les Bleus, na Copa da África. No domingo 20, Liliane rompeu o silêncio: numa entrevista ao jornal Le Monde, acusou a filha de ser responsável pelas gravações ilegais e reiterou a lucidez em suas doações a Banier.
 

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A funcionária: Florence e o ministro do Orçamento, seu marido
 

“Não tenho apego a objetos materiais. Não vejo um número em cada objeto que possuo”, afirmou. “Me pedem muito. Eu digo sim, digo não. Mas todas as minhas doações foram feitas voluntariamente.” Ela descreveu Banier como um homem persuasivo, a quem é difícil contrariar. Atacada por políticos da oposição socialista, sua funcionária Florence, a mulher do ministro, declarou que apenas aplicava os dividendos recebidos da L’Oréal e não tinha informações sobre outros ativos e bens de Liliane. 

Elas nunca ficaram a sós. “A cultura do sigilo é colossal neste tipo de organização”, afirmou ao jornal Le Parisien.  Florence pediu demissão. Seu marido foi mantido no cargo. A L’Oréal não foi afetada e segue em alta de 56% na bolsa em 12 meses. E o mordomo espião? Obviamente ganhou a porta da rua.