O incêndio no Museu Nacional do Rio de Janeiro destruiu a memória de uma cidade que foi capital do Império e colocou em primeiro plano o debate sobre os cortes orçamentários que ameaçam a preservação de um patrimônio multissecular.

“Só chorar não adianta, é necessário que o governo federal, que tem recursos, ajude o museu a recompor sua história”, afirmou nesta segunda-feira (3), em frente ao prédio destruído, o diretor da instituição bicentenária, Alexandre Keller.

“Clamamos por ajuda. Queremos que as pessoas fiquem indignadas pelo que aconteceu aqui. Parte dessa tragédia poderia ser evitada. Não adianta só chorar. Agora temos que agir”, insistiu.

A Unesco lamentou “a maior tragédia para a cultura brasileira nos últimos tempos” e denunciou que o incêndio “expõe a fragilidade dos mecanismos nacionais de preservação de seus bens culturais”.

O governo de Michel Temer, questionado pelos cortes no orçamento, anunciou a criação de uma “rede de apoio econômico” com grandes empresas públicas e privadas para facilitar a reconstrução desta joia da cultura brasileira, mas não detalhou os recursos previstos.

A instituição, vinculada à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), sofria com cortes de verbas que a obrigaram a fechar vários espaços ao público.

O museu deveria receber um patrocínio de 21,7 milhões de reais do BNDES após um acordo firmado em junho passado.

A vice-diretora do museu, Cristiana Serejo, explicou que por trás da tragédia estão “a falta de dinheiro e uma burocracia muito grande”.

Em um protesto na Cinelândia, no centro do Rio, a tristeza se misturava com a raiva pela destruição do museu.

“Ele tinha muitas peças importantes (…). Agora, também teremos nossa memória apagada”, disse Natacha, uma estudante de museologia.

“Foi um incêndio causado por anos de falta de atenção do governo. Nosso programa de antropologia sofreu cortes absurdos nos últimos dois anos”, denunciou Caio, aluno de antropologia do Museu Nacional.

O governo federal anunciou que “o presidente Michel Temer articulou, em conversas mantidas hoje com um grupo de entidades financeiras, empresas públicas e privadas, a criação de uma rede de apoio econômico para viabilizar a reconstrução do Museu Nacional no Rio de Janeiro no tempo mais breve possível”.

Estão entre os que se somaram à iniciativa “em prol da memória nacional” a Febraban, o Bradesco, o Itaú, o Santander, o Banco do Brasil, a Caixa Econômica Federal, o BNDES, a Vale e a Petrobras.

O Museu Nacional era o maior museu de história natural e antropológico da América Latina, com mais de 20 milhões de peças e uma biblioteca com mais de 530.000 obras.

– Abraço popular –

Na parte da tarde, cerca de 500 pessoas estavam reunidas em frente ao jardim que dá acesso ao edifício, protegido por um cordão de isolamento, para protestar contra os cortes que atrasaram a modernização do recinto.

Os manifestantes, entre eles pesquisadores e estudantes, encenaram um “abraço” ao edifício de mais de 13.000 metros quadrados, localizado na Quinta da Boa Vista, na zona norte do Rio.

Equipes do Corpo de Bombeiros e da Defesa Civil começaram a entrar, com prudência, no edifício, para verificar se ainda há alguma coisa que possa ser salva de seu imenso patrimônio, disse um porta-voz dos bombeiros à AFP.

A operação é perigosa, em razão dos riscos de desabamento.

“A fachada é bem resistente, mas muita coisa caiu do teto”, afirmou o porta-voz.

Luis André Moreira, coordenador técnico da Defesa Civil, descartou o risco iminente de “colapso estrutural” da fachada. No entanto, “no interior existe o risco de desabamento” das paredes internas e partes que não caíram durante o incêndio”, indicou à AFP.

A tragédia, que não deixou vítimas e cujos danos ainda não foram calculados, começou às 19h30 por causas que não foram determinadas até o momento, quando o local já estava fechado ao público.

Foram necessárias seis horas para que os bombeiros mobilizados controlassem o incêndio. Segundo a imprensa, eles encontraram sérios problemas de logística que retardaram sua atuação.

Criado em 1818 por Dom João VI e instalado desde 1892 no antigo palácio imperial de São Cristóvão, o museu também abriga um excepcional jardim botânico de 40 hectares.

A instituição, que comemorou em junho seu bicentenário, recebia 150.000 visitantes por ano e era um importante centro de pesquisa e estudo, integrado desde 1946 à Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ).

O museu era particularmente conhecido por seu rico departamento de paleontologia, com mais de 26.000 fósseis, incluindo o esqueleto de um dinossauro descoberto em Minas Gerais e inúmeros espécimes de espécies extintas, como preguiças gigantes e tigres dentes-de-sabre.

Sua coleção de antropologia biológica incluía o mais antigo fóssil humano descoberto no Brasil, conhecido como “Luzia”, que também foi perdido no fogo.

“A perda de Luzia é para todos os interessados em civilização uma perda inestimável. Luzia morreu no incêndio”, declarou à AFP Paulo Knauss, diretor do Museu Histórico Nacional, outra instituição do Rio.

A destruição do exuberante edifício logo liderou os trending topics mundiais do Twitter e, nesta segunda, a hashtag #LutoMuseunacional continuava entre os cinco primeiros.

“É uma perda para todo mundo, para o Brasil, para a UFRJ, para o povo. Não vamos mais suportar este estrangulamento de recursos. Isso é um sinal da falta de investimentos, da falta de recursos e das consequências que isso acarreta”, declarou à AFP o diretor de Planejamento, Desenvolvimento e Finanças da UFRJ, Roberto Antônio Gambine Moreira.

O ministro da Cultura, Sérgio Sá Leitão, admitiu no Twitter que “a tragédia poderia ter sido evitada”.

“Os problemas do Museu Nacional foram se acumulando ao longo do tempo. Não começaram este ano. Em 2015, por exemplo, foi fechado por falta de recursos para sua manutenção”, recordou o ministro, no cargo desde 2017.

“Hoje é um dia trágico para a museologia de nosso país. Foram perdidos 200 anos de trabalho, pesquisa e conhecimento. O valor para nossa história não se pode mensurar”, afirmou o presidente Michel Temer em um comunicado divulgado no domingo à noite.