No dia 30 de maio, depois do fechamento do mercado, as brasileiras BRF e Marfrig anunciaram a assinatura de um memorando para estudar a fusão entre as empresas. Com potencial de criar a quarta maior companhia de carne do mundo, faturamento anual de R$ 80 bilhões e valor de mercado de R$ 26,5 bilhões, o negócio seria analisado por até 90 dias, com possibilidade de prorrogação por mais 30 dias. Não precisou de todo esse tempo. No dia 11 de julho, menos de um mês e meio depois, a fusão foi descartada. No comunicado oficial, a BRF informou “não ter sido atingido acordo quanto aos termos e condições relacionados à governança da companhia combinada”.

Segundo fonte que acompanhou as negociações, cinco frentes de estudos foram abertas para debater a integração: sinergias operacionais, tributárias, financeiras, estrutura societária e modelo de negócios combinados. “Já de cara houve divergências na estrutura societária”, diz a fonte. “Tivemos muitas dificuldades de avançar nesse tema.” A BRF tinha como objetivo inegociável replicar todo o seu modelo de governança. A empresa está listada no Novo Mercado da B3 e tem ADR nível três, o mais exigente para ações negociadas em Nova York. Isso demanda atender aos requisitos da lei Sarbanes-Oxley americana, aos quais a Marfig não tem aderência. Essa decisão dos acionistas e executivos da BRF desagradou Marcos Molina, o controlador da Marfrig, que desejava ter mais voz na nova empresa.

O perfil societário das duas companhias é bastante diferente. A BRF possui controle disperso, tendo como principais acionistas os fundos de previdência Petros e Previ. A gestão é comandada por executivos de mercado como Pedro Parente, presidente do conselho, e Lorival Luz, presidente da empresa desde junho. Já a Marfrig é uma típica empresa com dono. Molina dá as cartas e toma todas as decisões mais importantes. A proposta de fusão considerava que os acionistas da BRF deteriam 84,98% das ações e os da Marfrig, 15,05%. Dessa forma, Molina seria o maior acionista da nova empresa, mas com apenas 5% do controle. Não era suficiente para definir as estratégias da nova companhia.

O fracasso das negociações não surpreendeu o mercado. Além de notícias de que Petros e Previ não se animavam com o plano, os analistas do setor não acreditavam em ganhos operacionais com fusão. “Elas não são muito complementares”, diz Oscar Malvessi, coordenador do curso de fusões e aquisições da Fundação Getulio Vargas. “No mundo todo, as empresas estão dando foco total em seu principal negócio. Por que a BRF e a Marfrig iriam querer mudar de negócio?” A Marfrig é uma grande força mundial da venda de carne bovina. Em especial para os EUA, que representa 70% dos seus negócios. Já a BRF se destaca em aves e suínos, com produtos processados das marcas Sadia e Perdigão, consumidas em três grandes mercados: Brasil, países árabes e Ásia.

DOIS MAIS DOIS O negócio parecia fazer sentido do ponto de vista financeiro, mas não no operacional. O nível de endividamento da BRF diminuiria com o negócio. A empresa opera com uma alavancagem de 4,6 vezes, considerando a sua dívida líquida em relação ao Ebitda. Já a Marfrig tem índice de 2,1 vezes. “Elas somariam dívidas”, diz Malvessi. “A lógica para uma fusão é buscar uma sinergia em que, quando se soma um mais um, o resultado é mais de dois. Mas, no caso, a soma daria menos de dois.” Na BRF, no entanto, a percepção é que haveria ganhos adicionais. Além de uma presença global e diminuição do endividamento, a transação traria acesso a crédito mais barato, devido à força da Marfrig nos EUA.

O fim dos planos de fusão não vai, porém, afetar a relação comercial entre as empresas na distribuição de produtos para supermercados e quiosques. “Apesar do término das tratativas, o relacionamento entre a companhia e a Marfrig permanecerá inalterado e não haverá quaisquer modificações nas práticas, condições e termos previstos em contratos por elas celebrados”, disse a BRF em comunicado assinado por Lorival Luz. Isso significa que a Marfrig continuará fornecendo carne para BRF que é usada, por exemplo, nos hambúrgueres da Sadia. O casamento não saiu, mas a amizade continua.