Ele está sentado em frente a uma xícara de chá em um campo para pessoas deslocadas no norte de Moçambique. O barraco não é dele, Idrisse Cachimo chegou ali depois de fugir de ataques jihadistas. Seis meses depois, deseja apenas voltar para casa.

Idrisse é uma das 670 mil pessoas que deixaram tudo para trás para escapar da sangrenta insurreição que dilacera a estratégica província de Cabo Delgado, rica em gás natural.

“Preferia morrer a continuar o sofrimento que vivo aqui”, diz com firmeza este homem de 61 anos, que viu sua esposa ser levada pelos rebeldes.

Os grupos armados que juraram lealdade ao Estado Islâmico (EI) semeiam o terror há mais de três anos no norte do país, incendiando vilarejos, executando homens e sequestrando as jovens.

“Podem cobrir a casa de zinco ou comprar um avião para mim, mas a única coisa que desejo é retornar para a minha casa”, repete Idrisse, pensando nas duas casas que tinha, sua fazenda, suas cabras.

De seu abrigo feito de varas de bambu e barro, ele observa veículos partindo todos os dias em direção à sua antiga aldeia de Macomia, tristemente famosa por ser alvo de violentos ataques.

Lá, dois anos antes, os insurgentes cortaram a cabeça de um homem, antes de queimá-la e deixá-la exposta no mercado. Foi a primeira de uma longa série de decapitações.

– “Já chega” –

Nos acampamentos de deslocados circulam boatos de que alguns voltaram para suas casas. Mas a região ainda está ocupada por insurgentes.

Depois de atingir um pico no ano passado, os ataques diminuíram recentemente. No entanto, o conflito não terminou, alerta o governo.

Cerca de vinte novos campos de deslocados foram montados em aldeias, longe da violência. Mas não é suficiente. Apenas 50.000 pessoas encontraram um lugar, em condições muitas vezes difíceis.

No acampamento de Ntocota, a 45 km de Pemba, capital de Cabo Delgado, as famílias recebem uma ração de 40 litros de água por dia. “Isso não é suficiente”, lamenta o chefe da aldeia, Ntaguiha Camale.

Cerca de 1.060 pessoas deslocadas vivem ali. Não há escola, nem banheiros. Os moradores devem fazer suas necessidades fora.

O hospital mais próximo fica a uma hora de carro. Os doentes são transportados em motocicletas que funcionam como ambulâncias.

“Quando alguém adoece, o povoado paga para comprar quatro litros de gasolina” para a viagem, explica o chefe local.

– “Não há o que fazer” –

As autoridades de Cabo Delgado afirmam que não têm dinheiro para ajudar os deslocados e que contam apenas com o apoio das ONG.

“Idealmente, seriam necessários 80 acampamentos para estas pessoas. Muitos ainda estão alojados em famílias de acolhimento”, explicou à AFP o secretário de Estado da província de Cabo Delgado, Armindo Ngunga.

Segundo o Unicef, 90% dos deslocados, espalhados por três províncias, foram alojados em famílias. No entanto, enfrentam animosidade dos habitantes locais.

Anifa Amimo, de 35 anos, tentou cultivar a terra ao redor de sua nova casa para alimentar seus nove filhos. Mas “os locais nos assediam e não nos deixam trabalhar na roça. Dizem que essa terra é deles”, conta, descascando mandioca.

“Não há nada para fazer aqui”, explica Simba Jamal, um ex-camponês de 55 anos que está morrendo lentamente pelo tédio.

O conflito no norte de Moçambique deixou 2.500 mortos, mais da metade deles civis, segundo a ONG Acled.

De acordo com as Nações Unidas, quase um milhão de pessoas sofrem de insegurança alimentar na região. E pelo menos 4.900 foram contaminados com cólera desde o final do ano, com 55 mortes.