As maiores grifes do mundo já perceberam o quanto pode ser vantajoso ter no cargo de diretor criativo um designer associado à moda casual e ao streetwear. A Louis Vuitton tem Virgil Abloh; a Balenciaga, Demna Gvasalia; a Dior, Kim Jones. Todos nomes ligados à moda das ruas. Agora, a maison francesa de origem japonesa Kenzo decidiu recrutar um ícone do streetwear mundial com algumas décadas de experiência e uma série de criações que continuam a despertar o desejo do público. Tomoaki Nagao, mais conhecido como Nigo, assume nesta semana o cargo de diretor criativo, substituindo o português Felipe Oliveira Baptista. Mas a decisão vai além da busca pelo capital social que o designer oferece.

“Eles querem trazer um pouco da identidade japonesa”, afirmou Marcio Banfi, stylist e professor na Faculdade Santa Marcelina, de São Paulo. “Nigo entende a cultura e conhece muito da marca. Vai conseguir trazer as características da grife em suas criações.” Nigo é o primeiro japonês a ocupar a posição de diretor artístico desde a saída de Kenzo Takada, em 1999. O fundador da maison morreu no ano passado, aos 81 anos, em decorrência da Covid-19. As trajetórias de ambos têm algumas coincidências. Nigo nasceu em 1970, ano em que Takada inaugurou sua primeira loja em Paris. Os dois se formaram na mesma faculdade, Bunka Fashion College, em Tóquio, e Nigo começou sua carreira no mesmo ano em que a Kenzo passou a fazer parte do conglomerado LVMH.

Mas enquanto Takada escreveu seu nome na alta costura de Paris e abriu as portas para outros designers japoneses, Nigo construiu sua reputação com a moda de rua. Fundou a marca A Bathing Ape, também conhecida como Bape, em 1993. Desenhou peças hoje icônicas, como um moletom com capuz que pode ser fechado completamente com zíper, e transformou o padrão camuflado em sinônimo de streetwear. Vendeu a marca ao conglomerado I.T Group, de Hong Kong, em 2011, e continuou como diretor criativo por mais dois anos. Até hoje, a Bape é referência: os chinelos em parceria com a brasileira Havaianas (por preços que chegam a R$ 600) foram um sucesso de vendas este ano.

SÓCIO DE MÚSICO E DJ Inquieto, Nigo jamais se limitou à Bape. Em 2005, ao lado do músico Pharrell Williams, fundou as marcas Billionaire Boys Club e Ice Cream. Em 2010, lançou a Human Made. E ainda trabalhou como diretor criativo da Uniqlo. Nas horas vagas, é DJ da banda japonesa de hip-hop Teriyaki Boyz. “Ele é como uma antena que está sempre ligada no que está acontecendo no mundo. Entende o que os jovens querem, estuda e faz algo que não se via antes”, disse Marcio Banfi.

A Bape é um exemplo. Ao lançar a marca, criou peças bem feitas, com toques de alfaiataria, colocando qualidade onde antes havia pouca. Até na hora de vender soube escolher um comprador que manteve a grife relevante. “É uma mistura de saber fazer roupa boa, ter uma visão de marketing e, claro, um pouco de sorte”, afirmou o especialista.

Agora, sua missão é dar continuidade ao interesse da Kenzo por streetwear, algo que já era percebido em coleções anteriores. Antes do português Felipe Oliveira Baptista, a direção artística era assinada pela dupla americana Humberto Leon e Carol Lim, fundadores da Opening Ceremony. Eles foram responsáveis por popularizar um desenho de tigre em camisetas e moletons que se tornou símbolo da grife nos últimos anos. Por seu lado, o japonês já mostrou que é um alfaiate de talento. Este ano, apresentou uma coleção cápsula em parceria com Virgil Abloh, da Louis Vuitton, marcada por costumes, ternos e malhas com padrões quadriculados. As primeiras criações de Nigo para a Kenzo, no entanto, devem ser apresentadas somente no início de 2022.

Embora low profile, a Kenzo tem enorme importância na moda. Seu fundador, Kenzo Takada, foi pioneiro em mostrar ao Ocidente o apuro estético japonês e a conquistar sucesso na capital francesa. Logo outros vieram. Yohji Yamamoto é um deles, precursor que continua na ativa até hoje, aos 77 anos, tanto com sua marca própria quanto pela Y-3, parceria com a Adidas estabelecida em 2003 e conhecida pela mescla de alfaiataria com traços clássicos do Japão. Há também a grife Comme Des Garçons, criada por Rei Kawakubo no final da década de 1960 e que até hoje se mantém cobiçada, assinando parcerias com outras marcas, como a Converse, e abrindo lojas no mundo todo. “Os japoneses nunca deixaram de estar no topo da alta costura”, disse Marcio Banfi.