Mudanças são naturais do jogo, mas o coração da proposta ainda está lá”. Com essa frase, o presidente Jair Bolsonaro definiu a desidratação na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) que recria o auxílio emergencial durante a pandemia em troca de gatilhos de austeridade para que os governos não aprofundem mais suas respectivas crises fiscais. Na proposição inicial, enviada pelo Ministério da Economia em 2019, o plano era enxugar R$ 281 bilhões das contas públicas, valor que caiu para R$ 56,9 bilhões depois de passar pelo crivo de senadores e deputados, segundo estimativas da Câmara. A redução de quase 80% se deve aos servidores públicos. Eles ficaram isentos da regra que proibiria aumento de salários e promoções quando há risco de furar o teto dos gastos. No mercado, o pensamento geral é que aprovar a pauta é importante para demonstrar o comprometimento do Poder Público com sua saúde financeira, mas é mais um exemplo de que o governo ainda não consegue transitar de forma exitosa no Congresso Nacional.

“Não podemos dizer que foi uma derrota retumbante para o governo, mas a aprovação do texto deixou um gosto amargo na boca de Paulo Guedes”, disse o professor de macroeconomia e especialista em contas públicas da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), Alan Puentes. Na última semana, representantes da equipe econômica transitaram pelos corredores do Congresso para tentar manter mais alta a capacidade de arrocho com a medida, mas os parlamentares mantiveram firmes seus posicionamentos. E motivos para bater o pé não faltaram. O próprio presidente da República chegou a falar algumas vezes durante suas conversas com apoiadores que alguns pontos da PEC precisavam ser revistos, principalmente os trechos que envolviam cortes de salário para policiais. Essa foi a deixa para que Arthur Lira (PP-AL) tirasse da guilhotina de cortes todos os servidores públicos.

Aprovada por 341 votos favoráveis e 121 contrários no primeiro turno de votação na Câmara, a PEC, alterada, deixou uma incerteza sobre o próximo passo. Até o fechamento desta edição, na manhã da quinta-feira (11), os juristas da Casa ainda não haviam chegado a um consenso sobre a necessidade de retornar ao Senado ou se poderia seguir direto para sanção presidencial.

AGENDA MAIS BRASIL Ainda que tenha sido a chegada da pandemia e a necessidade de um auxílio emergencial os responsáveis diretos pela aceleração da PEC Emergencial, o assunto já era tema constante nos planos de Paulo Guedes. Ele queria, em uma tacada só, mostrar comprometimento fiscal para o mercado e diminuir a necessidade de estados e municípios precisarem de socorro financeiro da União. E a PEC Emergencial não viria sozinha. Com a “Agenda Mais Brasil”, havia ainda as PECs do Pacto Federativo e dos Fundos Públicos. Com a resistência dos parlamentares, aprovar “qualquer coisa” se tornou “melhor que nada”, segundo palavras do próprio ministro da Economia. Guedes, que era visto no início de mandato como inimigo de uma máquina pública obesa e disfuncional, está confirmando que, entra governo, sai governo, não há quem possa enxugá-la. É como se na entrada do Congresso Nacional houvesse uma placa de bronze com a seguinte advertência: “É proibido poupar”.