“Apenas tirei da pedra de mármore tudo que não era o Davi”. Essa foi a resposta que, em setembro de 1504, Michelangelo di Lodovico Buonarroti Simoni deu ao mestre Leonardo da Vinci, 23 anos mais velho. Esse imaginário diálogo ocorreu diante da bela escultura que acabara de ser exposta ao público, na porta do Palazzo Vecchio, na Piazza de la Signoria, em Florença, berço do renascimento na Itália medieval.

Segundo a lenda, da Vinci perguntava ao jovem escultor como ele havia conseguido esculpir aquela obra, que se tornaria um ícone na história da arte mundial, a partir de uma enorme pedra de mármore. O bloco extraído de Carrara e transportado, a duras penas, para Florença tinha seis metros e pesava mais de cinco toneladas.

Muitos cidadãos florentinos se lembravam bem do desejo de Lorenzo de Medici, líder da República Florentina, que, à época, queria simbolizar a pujança de Florença colocando “um homem grande” na porta do palácio, residência de sua dinastia. Nos anos 1460, os mais renomados escultores foram convidados para o trabalho, mas não conseguiram dar conta do recado e até estragaram um pouco aquele bloco de mármore. Agostino di Duccio e Rosselino estavam entre eles e eram famosos naquele período.

Mais de 40 anos depois, a encomenda foi feita a Michelangelo, jovem de 26 anos, que, ao que tudo indica, trabalhava no atelier do mestre Andrea del Verrochio. Ele iniciou sua criação em setembro de 1501 e a concluiu após exatos três anos. Em 1504, a escultura de Michelangelo, que gerou polêmica em sua apresentação, começou a encantar o mundo. Essa história sempre me impressionou. Já visitei Florença em inúmeras oportunidades e cada vez me emociono mais diante da obra e pela imaginativa narrativa desse provável diálogo.

A conversa entre esses dois artistas consagrados representa, metaforicamente, uma tremenda lição sobre liderança e a arte de descobrir o talento que, às vezes, passa despercebido. Como revelar um craque pronto para ser lapidado, mas, que, naquele momento, não se percebe como mais do que uma pedra bruta?

Sempre provoco, com uma incômoda pergunta, os líderes e profissionais de RH nas empresas com as quais trabalho: qual o Davi que você está esculpindo na sua vida? Qual a Monalisa que você está pintando?

Aproveito para também perguntar ao leitor: você tem consciência do Davi que tem dentro de si? Já descobriu e revelou craques que jogam no seu time, seja na empresa, em casa, no seu prédio, na igreja ou no clube que frequenta?

Essa é a missão mais nobre de um líder. E o maior legado que pode deixar, composto por talentos descobertos e revelados que poderão formar o “capital liderança” de uma empresa, garantindo sua longevidade.

E como perceber talento? Seria pela habilidade técnica? Talvez por meio de testes de personalidade? Pelo que diz? Ou a partir de um bom currículo, com referências educacionais e experiências profissionais?

A experiência tem me mostrado que cinco características são muito relevantes, tanto para nossa própria motivação pessoal quanto para a descoberta de talentos e de craques que jogam no seu time. Refiro-me às capacidades de integração, superação, inovação, determinação e autogestão. Essas competências funcionam como alavancas para revelar o talento que, depois de lapidado, se transforma em um vencedor. Abordei esses aspectos no Descubra o Craque que Há em Você, livro recém-lançado, elaborado em parceria com o jornalista esportivo Maurício Barros, a partir de observações no mundo dos esportes. Você pode conhecer exemplos e um pouco mais dessas características em outro artigo desta coluna: “Lições do mundo dos esportes para a liderança”.

O fato é que a descoberta de um talento vai muito além do CV e de habilidades técnicas. Por este motivo, agora vou um pouco além e trago à tona um outro aspecto determinante na atuação dos craques que conseguem êxito, seja no esporte, na vida pessoal ou no universo corporativo: o propósito.

O propósito é uma força motriz não só para as empresas, mas para as pessoas. É muito importante perceber o propósito de vida de cada um dos membros da sua equipe, de seus familiares e das pessoas do convívio mais próximo. Considere que uma vida sem propósito é vazia, pois sua alavanca envolve apenas motivações externas, superficiais e adjetivas.

No poder do propósito reside a verdadeira e essencial motivação substantiva. Em muitos casos, estamos falando de um sonho, uma causa ou bandeira. Trata-se de algo maior, pois a vontade de realizar compele à luta e transcende o desejo e a meta.

O propósito é a força abstrata mais poderosa – e motivadora profunda de realizações concretas. Não à toa, uma das características dos craques e comum aos campeões, em várias modalidades esportivas e diversas profissões, é a crença e luta por seus sonhos, tema que abordarei em breve nesta coluna.

Passe a observar a possível presença dessas características nos membros de sua equipe, da família e no seu círculo mais íntimo. Prepare-se para a surpresa ao perceber que um conjunto de alavancas intangíveis, como as citadas anteriormente, pode revelar craques que você nem sabia que fazem parte do seu mundo. É preciso se transformar e, no caso dos líderes, também trabalhar na descoberta e lapidação de talentos, para ser um agente da transformação que sua empresa necessita!

* César Souza é cofundador e presidente do Grupo Empreenda, consultor e palestrante em Estratégia, Liderança, Clientividade e Inovação. Autor de “Seja o Líder que o Momento Exige” é também coautor do recém-lançado “Descubra o Craque que Há em Você” (Buzz, 2020)