Aos 66 anos, Mu Hak You acumula um histórico de polêmicas como investidor ativista no mercado brasileiro de capitais. Desde 1998, quando fundou a gestora de investimentos GWI, não foram poucos os casos em que o sul-coreano consolidou posições acionárias relevantes em companhias do País e protagonizou controversas disputas societárias. Nessa trajetória de 20 anos, um dos embates mais incendiários envolveu a Saraiva, em 2016. Na época, com 38,6% das ações da livraria, ele liderou uma cruzada para tentar destituir a família Saraiva do comando do negócio e chegou a ser acusado de invadir a sede da operação em um feriado de Corpus Christi a procura de documentos confidenciais.

A lista de oponentes e de desafetos inclui ainda executivos e acionistas de empresas como a Lojas Americanas e a corretora Socopa. E ganhou novos integrantes recentemente, quando a Gafisa se tornou o seu mais novo alvo. Em um contraponto a todas as outras histórias que colecionou durante esse percurso, Mu Hak assumiu, na prática, o controle da incorporadora há um mês, com 37% das ações nas mãos da GWI. E nesse curto período, ele já implementou uma série de medidas que está abalando a estrutura da incorporadora e implodindo o modelo de gestão anterior.

A escalada teve início em outubro de 2017, quando Mu Hak começou a comprar ações ordinárias da companhia. Essa participação foi sendo ampliada, pouco a pouco, nos meses seguintes, até que ele assegurasse dois assentos no Conselho de Administração. A sua ascensão foi consolidada em 25 de setembro, quando em uma assembleia extraordinária convocada a pedido da GWI, o sul-coreano conseguiu destituir o Conselho eleito três meses antes, assumiu a presidência do colegiado e estabeleceu uma nova composição, na qual cinco dos sete membros eram seus indicados. Entre eles, seu filho, Thiago You.

No caminho para alcançar essa posição, Mu Hak enfrentou a resistência da diretoria e dos demais conselheiros, que chegaram a contratar assessores financeiros na tentativa de buscar potenciais fundos e investidores para evitar que ele assumisse as rédeas da operação, dado o seu histórico de confusões. “A Gafisa chegou a ter muitos interessados, mas não houve tempo suficiente para concretizar qualquer acordo”, diz uma fonte próxima a essas negociações, que aponta uma diferença no caso da incorporadora em relação a outras disputas no percurso do dono da GWI. “Com um capital muito pulverizado e sem alternativas na manga, a empresa não tinha um ou mais acionistas controladores para bater de frente com ele.”

Se o status conquistado por Mu Hak na Gafisa destoa de qualquer uma de suas operações anteriores, as atitudes tomadas por ele desde que começou a ganhar poder na empresa remete a traços que fizeram a sua fama no mercado. “Desde o início, a postura dele foi bélica, arrogante e truculenta”, afirma uma fonte, que ressalta que esse comportamento foi reforçado desde que o sul-coreano assumiu o comando. “Ele está sendo mais radical e inflexível. E decide tudo numa velocidade inexplicável, sem pensar, em nenhum momento, nas consequências.” A lista de mudanças em apenas um mês é longa. Na mesma assembleia que começou a definir os novos rumos, foi aprovada a destituição de Sandro Gamba, até então CEO da Gafisa; de Carlos Eduardo Moraes Calheiros, diretor financeiro e de relações com investidores; e de Gerson Cohen, diretor executivo operacional.

Ana Recart, executiva de confiança de Mu Hak foi eleita como nova presidente e assumiu também, interinamente, os cargos de Calheiros. Nas semanas seguintes, vieram as demissões de boa parte dos demais executivos do alto escalão. Os cortes atingiram também outros níveis. Ao mesmo tempo, Eric Alexandre de Alencar e Tomás Rocha Awad, os dois conselheiros independentes que haviam permanecido, renunciaram às suas posições. “Há um clima de terror para os que ficaram. A sensação é de que a empresa está à deriva”, diz um executivo que conhece a operação. Ele destacou outro ingrediente nesse caldeirão: a aprovação de um programa de recompra de ações. “Isso não faz nenhum sentido para uma empresa que está muito alavancada.” A dívida líquida é de R$ 751,9 milhões. Mesmo com uma redução de 32,4% no primeiro semestre de 2018, em comparação com igual período um ano antes, o indicador ainda é considerado alto por analistas.

Sob o pretexto de cortar custos, outros fatores contribuíram para reforçar esse cenário de incertezas. A nova gestão fechou o escritório da Gafisa no Rio de Janeiro. E planeja mudar a sede da companhia, hoje instalada no bairro paulistano de Pinheiros, para São Caetano do Sul, no ABC paulista. Uma das ações que mais chamaram a atenção, no entanto, veio à tona em 15 de outubro, quando a empresa suspendeu o pagamento de fornecedores e empreiteiros, a princípio, até 26 de novembro. O anúncio, somado ao pacote de demissões e a outras políticas implantadas fez com que o Sindicato dos Trabalhadores da Construção Civil de São Paulo (Sintracon-SP) convocasse uma greve geral nos 16 canteiros de obras da empresa na capital paulista para a quarta-feira 25.

Procurada, a GWI, de Mu Hak You, informou que apenas a Gafisa se pronunciaria. A incorporadora informou, por meio de comunicado, que havia retomado os pagamentos na terça-feira 24 e evitado a paralisação, depois de uma extensa reunião com o Sintracon-SP. “A Gafisa reitera que a sua reestruturação tem como foco a otimização de processos e estrutura, o ganho de eficiência e a valorização da companhia, ratificando seu comprometimento de longo prazo com todos os seus stakeholders”, afirmou o grupo, em nota. A suspensão da manifestação foi confirmada por Antonio de Sousa Ramalho, presidente do Sintracon-SP. Ele ressaltou, porém, que o sindicato seguirá negociando e manterá o estado de greve até 21 de novembro. “Temo pelo futuro não só da empresa, mas do mercado, pois pode haver um efeito em cascata com essa situação”, afirma Ramalho.

Substituição: a série de cortes anunciada por Mu Hak You e por sua equipe nos quadros da Gafisa envolveu todos os níveis da companhia, incluindo a destituição do presidente Sandro Gamba

Os temores não estão restritos a Ramalho e aos funcionários da incorporadora. Depois do anúncio da suspensão de pagamento dos fornecedores, a agência de classificação de risco S&P rebaixou o rating da Gafisa, ressaltando que a medida impactava a reputação da empresa. Em relatório, o Itaú BBA destacou que as mudanças no Conselho e a nova diretoria suscitam incertezas sobre a operação, citando, entre outros fatores, que alguns membros dessa nova composição “têm um histórico limitado no setor de construção residencial”. Essa lacuna, frente à complexidade e às particularidades desse mercado, também foi apontada por um executivo do setor.

“A Gafisa virou uma empresa de dono. E tanto ele, quanto seus executivos, são do mercado financeiro e não entendem praticamente nada de incorporação”, afirma a fonte, que relembra outras empresas do segmento que sofreram por apostar em um perfil de gestão mais financista, como a PDG e a Brookfield, rebatizada, posteriormente, de Tegra. “Esse cenário, aliado às medidas recentes, só reforça a desconfiança do mercado e torna mais difíceis as relações com todos os elos da Gafisa, das negociações com bancos e fornecedores aos eventuais clientes da companhia.”

Essa fase conturbada acontece em um momento no qual a Gafisa começava a apresentar indicadores de melhora em sua operação. No primeiro semestre, além da redução da dívida líquida, a companhia apurou uma receita líquida de R$ 515 milhões, alta de 81,7% sobre um ano antes. E reduziu seu prejuízo líquido em 74%, para R$ 85,3 milhões. Boa parte das fontes consultadas pela DINHEIRO entende que há necessidade de mudanças na gestão para consolidar essa retomada. E ressalta que é preciso ter cautela antes de “condenar” as medidas tomadas até o momento.

Há, no entanto, ressalvas, quanto à velocidade com que esse processo está sendo conduzido. “Temos casos no Brasil de choques de gestão que se provam bem-sucedidos”, afirma Marcelo Apovian, sócio da consultoria de gestão Signium. “Mas a experiência diz que decisões por impulso, sem que se conheça efetivamente a operação, são mais suscetíveis ao erro.” Um analista do setor, que pediu anonimato, acrescenta: “A Gafisa é um paciente que está doente e precisa ser medicado”, diz. “Mas há uma grande diferença entre tomar um comprimido por dia durante um mês e tomar tudo em apenas um dia.”