Recentemente, a morte do tenor italiano Luciano Pavarotti virou notícia em todos os meios. Mas o motivo do burburinho não foi somente sua lamentável partida para o andar de cima, e sim o escândalo em torno de seu testamento. Semanas antes de morrer, Pavarotti beneficiou sua segunda esposa com metade de seu patrimônio. Além disso, deixou imóveis e obras de arte em seu nome nos EUA, causando descontentamento entre suas filhas do primeiro casamento, que não foram agraciadas com o presentinho extra. Apesar disso, a vontade do tenor está lá, registrada em cartório e incontestável. Não adianta brigar. Mas os benefícios do testamento não são só para grandes fortunas. Esqueça aquela imagem do velho em seu leito de morte dizendo a um tabelião suas últimas palavras.

Hoje, você pode deixar o que você quer, para quem você quer, e evitar verdadeiras batalhas entre filhos e irmãos. Para fazer o seu, em alguns casos não é preciso nem de advogado. Basta ir ao cartório, apresentar os documentos necessários e pagar uma taxa em torno de R$ 800. Não é tão mórbido quanto parece. É tudo uma questão de planejamento.

?O que importa é o que se tem, e não quanto se tem.? Com essa frase, o advogado especialista em direito sucessório Luiz Kignel desmistifica a idéia que todos temos sobre a elaboração de um testamento. Qualquer patrimônio, por menor que seja, deve ser bem dividido. ?Planejar a sucessão é uma coisa que se faz em vida, e é extremamente importante, principalmente se você quer preservar a harmonia entre os seus familiares?, explica. O advogado é autor do livro Planejamento sucessório ? aspectos familiares, societários e tributários, e aconselha o testamento não só para evitar conflitos, como também para que cada herdeiro receba sua herança de maneira organizada. Mas para isso, é necessário definir primeiro quem pode herdar o quê (leia quadro). Filhos são sempre herdeiros de 50% do patrimônio de uma pessoa. Se ela não os possuir, a herança passa para seus pais. Se não houver nenhum deles, o testador pode deixar 100% de seus bens para quem quiser. ?Nesse caso, se ele for casado em comunhão parcial de bens, metade da herança vai necessariamente para o cônjuge, e ele só dispõe de 50% para destinar a outros fins?, explica Eduardo de Souza Leite, advogado da M. Cabral Advogados Associados. Leite cita a história de uma socialite inglesa radicada no Rio de Janeiro.

?Ela só tem a mãe na Inglaterra e não possui mais herdeiros. Nos procurou porque quer deixar seus bens no Rio para 14 amigos?, conta.

Em outros casos, o testamento é uma forma de arquitetar a sucessão de herdeiros em empresas. No escritório de advocacia Barcellos Tucunduva, esses são os casos mais recorrentes. ?Pelo testamento, você pode separar os herdeiros que devem conduzir os negócios, daqueles que ficarão de fora das decisões?, conta a advogada Rachel Tucunduva. Em empresas de capital aberto, essa manipulação é possível quando se destinam ações ordinárias (com direito a voto) aos herdeiros que trabalham na empresa, e as ações preferenciais (sem direito a voto) àqueles que não trabalham. ?Esse tipo de decisão é um dos pilares do planejamento sucessório?, diz Rachel. No entanto, se as decisões tomadas pelo testador forem baseadas em frustrações familiares e rixas, podem gerar ainda mais brigas. Melhor planejar bem e descansar em paz.