Poucos dias após anunciar a continuidade da modernização do mercado financeiro, o Banco Central (BC) associou-se à Comissão de Valores Mobiliários (CVM) para lançar uma série de medidas de caráter microeconômico que devem aumentar a eficiência e a produtividade do mercado de capitais. Medidas, contudo, talvez não seja a melhor palavra. São na verdade, em sua maioria, “harmonizações, aperfeiçoamentos e retiradas de entraves” nas regras já existentes. Ainda assim, foram anunciadas com toda pompa por Roberto Campos Neto, presidente do BC, na segunda-feira 3. A forma e os prazos para que as medidas sejam postas em prática não foram definidas, no entanto.

A iniciativa é a continuidade de um trabalho que já existia no governo anterior, conduzido pelo Grupo de Trabalho sobre Mercado de Capitais e Poupança de Longo Prazo (GTMK). Capitaneado pelo extinto ministério da Fazenda, o grupo incluía o BNDES e autarquias da área econômica, como a Superintendência de Seguros Privados (Susep) e a Superintendência Nacional de Previdência Complementar (Previc). O objetivo era destravar os investimentos de longo prazo.

Agora, rebatizado de Iniciativa de Mercados de Capitais (IMK) e sem a participação do BNDES e da Previc, o grupo vai seguir desenvolvendo os projetos já elaborados anteriormente (observe o quadro) e tomar novas providências. “Nessa nova fase vamos ampliar nosso campo de atuação. Além dos assuntos que já vinham sendo tratados, vamos buscar modernizar os ecossistemas de instrumentos de private equity, do mercado imobiliário, de hedge, do mercado de derivativos, além de produtos de seguradoras”, afirmou Campos Neto.

Ele reforçou a importância de o governo não focar apenas os aspectos macroeconômicos, em especial a reforma da Previdência. “É preciso que todos entendam que a parte micro é tão importante quanto a parte macro”, diz. Segundo Campos Neto, as dificuldades microeconômicas têm impedido que benesses como a Selic a 6,5% ao ano sejam auferidas por todos os agentes econômicos. “Os recursos não chegam ao lugar em que deveriam com a eficiência devida”, diz ele. O presidente do BC serviu-se de uma imagem aeronáutica para explicar a questão. Para o banco, manter a Selic a 14% ao ano equivale a pilotar um avião em uma altitude muito elevada, que só permite ao piloto enxergar as nuvens. Quando os juros caem e o avião se aproxima do solo é possível ver todas as imperfeições na superfície.

Autoridades: Marcelo Barbosa, da CVM (à esquerda) e Roberto Campos Neto, do BC, no evento de anúncio das novas medidas (Crédito:Divulgação/BC)

Os efeitos práticos dos esforços, no entanto, são desconhecidos. “Se conseguirmos uma agenda que retire os entraves microeconômicos, temos potencial de crescer muito”, disse o diretor de organização do sistema financeiro e resolução do BC, João Pinho de Mello. Ele não quis comentar o efeito especifico de cada medida. “Precisamos fazer e avaliar depois”. Pinho de Mello reconheceu, no entanto, que o impacto será lmitado. “Mas um conjunto de retiradas de entraves pode ter um potencial enorme.”

GARANTIAS Entre as medidas anunciadas com aplicação no curtíssimo prazo estão mudanças nas regras para uso de imóveis como garantia nas operações de crédito e melhoras nos mecanismos de oferta de hedge cambial pelo mercado financeiro. Constam ainda a permissão para a emissão de dívida local em moeda estrangeira por companhias não financeiras e a regulamentação da nota comercial, título corporativo semelhante à nota promissória. O BC estabeleceu o prazo de até quatro meses para que essas medidas sejam implementadas.

O IMK anunciou também outra leva extensa de ações sem prazo para efetivação. Uma delas é a mudança na forma de os planos de previdência abertos e as empresas de capitalização contabilizarem os derivativos financeiros. Outras são alterações na forma de registrar as garantias para financiamento imobiliário e a redução do custo para abertura de contas de custódia para não-residentes.

Cabe à Susep e à Previc supervisionar R$ 1,9 trilhão em ativos, cerca de 29% do Produto Interno Bruto (PIB). Desse total, diz Solange, apenas 14,2% destinam-se a investimentos de longo prazo. “Precisamos trabalhar para elevar o prazo dos investimentos das seguradoras e dos fundos de pensão; temos um papel regulatório importante a desempenhar”, diz ela. Entre os projetos estão o aumento nas portabilidades dos participantes de fundos de pensão e a regulação de fintechs do setor de seguros.

Presentes ao evento, Marcelo Barbosa, presidente da CVM, Solange Paiva Vieira, presidente da Susep, e Carlos Ambrósio, presidente da Associação Brasileira das Entidades dos Mercados Financeiros e de Capitais (Anbima), não avançaram nos detalhes de como as medidas serão postas em prática. Campos Neto, do BC, afirmou que é preciso simplificar e desburocratizar o acesso aos mercados financeiros, dando um tratamento homogêneo ao capital, independentemente da nacionalidade ou se provém de um grande ou pequeno investidor. “O mercado precisa se libertar da necessidade de financiar o governo e se voltar para o financiamento ao empreendedorismo”.