Foi Marilyn Monroe quem eternizou a frase “Diamonds are a girl’s best friends” (diamantes são os melhores amigos de uma garota), título de um canção composta por Leo Robin que estreou na Broadway em 1949, quatro anos antes de ser incluída entre os números musicais de “Os homens preferem as loiras”. Embora não tenha sido contestada por décadas, a afirmação começou a cair em desuso quando o mundo descobriu as tragédias por trás da extração e do tráfico de diamantes na África (tema de outro filme de sucesso, “Diamante de Sangue”, de 2006, com Leonardo Di Caprio). Pois a frase ganhou novo sentido nas últimas semanas, quando os diamantes se tornaram os melhores amigos dos bilionários russos. Se não os melhores amigos, ao menos a esperança de que não percam fortunas com a desvalorização do rublo, que caiu perto de 40% desde o início da invasão da Ucrânia por Vladimir Putin.  

Com a moeda russa em queda livre, algumas das pessoas mais ricas do país passaram a adquirir joias e relógios de luxo. Blindar uma parte do patrimônio por meio da aquisição desses itens é uma estratégia sagaz. Esses objetos são fáceis de esconder e de transportar, além de serem um convite à sonegação. Que o diga o ex-governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, preso no âmbito das investigações da operação Lava Jato e que costumava transformar em diamantes tanto as propinas que recebia quanto o lucro de seus ataques aos cofres públicos do estado.

Ucranianos escapam de cidade sitiada; total de refugiados chega a 2 milhões

O que surpreendeu no caso dos russos, que começaram a estocar joias e relógios caros bem antes de a guerra começar, é a postura do outro lado do balcão. Ou seja, a conivência de quem vende. Um estudo divulgado pela Bain & Company e pela Antwerp World Diamond Center’s apontou que a receita no segmento de lapidação teve alta de 55% em 2021. Já a venda em varejo de joias, avançou 29% ao longo do ano passado. A joalheria italiana Bvlgari, pertencente ao conglomerado LVMH, foi uma das marcas que lucraram alto com o conflito. Segundo o presidente executivo da grife, Jean-Christophe Babin, o conflito impulsionou os negócios no curto prazo. Em entrevista concedida à Bloomberg, ele afirmou que as joias são um “investimento seguro”. Isso é fato. 

O problema é outro: o mercado de luxo não se incomoda em lucrar com o conflito? Como se sabe, centenas de marcas anunciaram a interrupção temporária da venda de produtos na Rússia. Entre as marcas mais famosas estão Apple, Nike e Scania. As sanções também foram adotadas por gigantes de energia como a BP, Shell e Exxon Mobil, que anunciaram a saída do mercado russo. Enquanto isso, grandes marcas de luxo europeias ainda operam no país. “Estamos lá para o povo russo e não para o mundo político”, afirmou Babin. “Operamos em muitos países diferentes que passam por períodos de incertezas e tensões”. O que ele parece não ter levado em conta é que a invasão russa vai além de uma incerteza ou tensão interna em um país. É uma agressão a outro Estado soberano, a um  povo – que não é o russo, a quem ele disse atender.

Para o analista Lucas Solca, da empresa de gestão de fortunas Bernstein, as marcas de luxo poderiam (e ainda podem) decidir não atender o consumidor russo. “Racionalmente, isso seria um custo para eles, possivelmente superado pela imagem de comunicação positiva que eles obtêm em outros mercados”, afirmou. As vendas na Rússia e para russos no exterior representam menos de 2% da receita total da LVMH, dona da Bvlgari. De acordo com relatório dos analistas do Morgan Stanley, deixar de fornecer para esse mercado seria um risco “relativamente imaterial”. 

Nos últimos dias, algumas das marcas que vinham lucrando com a corrida do ouro finalmente tomaram a decisão de interromper as vendas na Rússia. A própria LVMH, dona de oito marcas de joias, já havia anunciado a doação de 1 milhão de euros para o Unicef, e finalmente cedeu à pressão de consumidores para fechar as lojas no país de Putin.